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Luiza Sahd

Não é só na política: a paciência nunca esteve tão fora de moda

Luiza Sahd

10/10/2018 04h00

Dynamite with count down electronic time circuit.

Na semana passada, eu estava em Madrid subindo uma ladeira quando avistei uma senhora de uns 90 anos vindo em sentido contrário. Ela tinha mais ou menos a minha altura, mas as costas estavam tão envergadas que, caminhando, não alcançava meu ombro. Em cada mão, a levava duas sacolas de supermercado bem volumosas. Antes que eu terminasse de traduzir mentalmente a oferta de ajuda, uma jovem abordou a idosa perguntando onde ela morava e já estendendo os braços para carregar as compras.

Reduzi o passo a tempo de escutar a senhora responder "Para que você quer meu endereço? Vai me assaltar?", aos risos. Muito desconcertada, a jovem explicou que queria dar uma forcinha, ao que a nonagenária retrucou explicando que não estava com pressa. "E não faça essa carinha de pena. Estou muito bem".

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A Europa é um continente antigo, repleto de pessoas idosas que ainda saem de dia para passear e à noite para beber, fumar, socializar e se entupir de azeitonas como se o risco de hipertensão não passasse de fake news. Apesar dos maus hábitos, essa paciência de fazer exatamente tudo o que faziam durante a juventude — agora em marcha lenta — deve ser o segredo da longevidade acentuada na região. Quando me pergunto por que minha avó, sã e lúcida aos 87 anos, não faz o mesmo, a resposta que me vem à mente é: ela não tem paciência para a falta de paciência da nossa sociedade para com os mais velhos. Prefere ficar em casa.

Se o isolamento social de quem não anda a mil fosse o único sintoma grave de impaciência por aqui, ainda haveria esperança. O problema da velocidade na América parece ter afetado irremediavelmente os nossos cérebros. Não tendo tempo de relaxar, andamos sempre estressados. Não tendo condições de tratar o estresse, normalizamos a brutalidade. Normalizando a brutalidade, temos dialogado cada vez menos — e pior — com as pessoas que nos cercam.

O discurso de ódio é o assunto do momento na política, e parece cada vez mais nítido que ao menos metade dos brasileiros prefere o tiro pro alto ao diálogo. Note: quase ninguém anda lá muito a fim de falar ou ouvir sobre democracia, direitos universais, legitimidade de argumentos e todas essas coisas que demandam tempo para serem conquistadas ou mantidas.

Talvez acostumados às soluções rápidas oferecidas na internet, no delivery, no caixa automático ou no controle remoto, vamos simplesmente desistindo de tudo o que toma mais de três respirações para ficar pronto. Evidentemente, nossa relação com o espaço e as pessoas também se compromete.

Por muito que se diga que tempo é dinheiro, a gente vive correndo e a prosperidade ou não chega ou não dura. Nessa marcha de desvairados, além de não ganhar grandes recompensas, vamos perdendo também alguns tesouros inafiançáveis, tipo a nossa humanidade.

Com ou sem paciência, teremos que continuar convivendo com a impaciência alheia — e vigiando a nossa –, especialmente porque a única coisa mais irritante do que precisar esperar e ter paciência é não saber fazer isso quando necessário. Pior para quem não começar logo a cultivar a sua.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.