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Luiza Sahd

Relacionamento sem rótulos? Tô fora. Pego meu chocolate e vou embora

Luiza Sahd

29/05/2018 04h01

Ilustração: Yuval Robichek

Se você nunca disse "não espere nada a sério" para alguém, certamente já escutou. É o último grito da moda em termos de relacionamento — ou melhor, de não-relacionamento.

Na esteira de minha nova obsessão, os afetos, andei conversando demais sobre o assunto com pessoas de diferentes idades e realidades. Elas têm mais em comum do que a gente supõe e, se há uma experiência universal nesse campo, é a fatídica frase sobre evitar compromisso.

Ela vem embrulhada nos mais diferentes pacotes, variando ao gosto do freguês. Pode ser "não crie expectativas" ou "acabei de sair de uma relação" ou "não consigo lidar com cobranças", "não vamos rotular o que a gente tem", "estou em busca de algo leve" e congêneres. Geralmente, chega quando a frequência de encontros com alguém começa a ficar constante, com pinta de afeto, e os envolvidos se angustiam com o nome que vão colocar "nisso".

Não sei se fui vítima das princesas da Disney, do capitalismo, da igreja, da falta de Ômega 3 na alimentação ou de todos os fatores empilhados em uma perfeita lasanha de caretice, mas me faltam neurônios para a compreensão dessas sentenças. Quem não quer colocar rótulo em relacionamentos humanos quer o quê? Por que a gente pode chamar uma amizade de amizade e não pode chamar namoro de namoro? Quando a gente fica demais com alguém por muitas semanas, isso é namoro? E o namoro, precisa seguir um padrão estabelecido pela sociedade? Se a amizade não precisa, por que o namoro precisa?

É muita pergunta para pouca resposta, sim. Mas uma coisa que tem tirado muita gente do sério são essas frases que caem feito uma tijolada na cabeça de quem nem sabia ainda se estava diante de um possível amor, e, antes de chegar a qualquer conclusão, já foi tratada feito cachorro de rua que segue estranhos com comida na mão.

Eu adoraria saber desenhar para fazer um diagrama em que o sujeito que evita relacionamento tá segurando um salgado (que muitas vezes é um bolovo véio) e tem o cão olhando. No caso, o bolovo fica sendo o afeto que ela pode oferecer e, conforme era de se prever, o cão fica sendo a gente.

Conheço uma galera que concorda com a premissa do não-relacionamento sem perceber ou dar muita importância para isso. São os tempos em que vivemos, afinal. Mas quem avisa que não quer nada com o outro para além de sexo e boas risadas (geralmente, chamando isso de responsabilidade afetiva) não está fazendo muito mais do que se portar como se fosse o príncipe Harry ou coisa que valha. Responsabilidade afetiva é deixar de se envolver com as pessoas se você sente que não tem condições de fazer isso. O resto me parece desculpa para ser egoísta com salvo-conduto. De todas as formas, sigo alerta para explicações melhores.

 

Desmontando o discurso de leveza

Deus me livre de falar que, para entender um conceito aqui, você precisaria ler "A Insustentável Leveza do Ser" (Milan Kundera), mas quem me dera. Não existe relação humana leve.

Quando duas pessoas entram em um acordo para ter algo "leve", fico me perguntando se, a longo prazo, isso não provocaria uma sensação de vazio ou certa azia mesmo, porque essa ideia de relacionamento sem dores de cabeça me parece tão boa quanto a de almoçar e jantar sobremesa por anos. Todo mundo tem seu lado doce, suas sobremesas internas, chame do que quiser. Acontece que pessoas não são só isso. Elas são inteiras e têm sempre uma porção de coisas que, mesmo quando parecem amargas, acabam nos dando lições importantes sobre as relações humanas.

Depois de seis anos em um relacionamento absolutamente feliz e saudável, fiquei solteira. Evidentemente, não demorou nada para que eu caísse no golpe do "relacionamento sem expectativas", o único mais cruel e frequente do que o golpe do sequestro no celular. Fui avisada antes, mas não li as letras miúdas desse contrato. Então, é claro que ganhei um belíssimo "chega pra lá" tão rápido quanto o surgimento do primeiro evento mundano em que não apareci sorrindo e exalando perfume de rosas. Foi estranho porque, na minha cabeça, dias ruins faziam parte de qualquer tipo de relação humana, mas parece que não. Pior: como fui alertada antes e ignorei os avisos, pude nem argumentar isso aí.

Graças a esse episódio, meu único compromisso fixo em 2018 é deixar toda e qualquer pessoa que venha com caô de "relacionamento leve" falando sozinha antes de que ela consiga terminar de formular o raciocínio. Nesse sentido, não canso de amar o Jorge Ben Jor dizendo "O tiranossaurus REX/ Mandou avisar/ Que pra acabar com a malandragem/ Tem que prender e comer todos os otários".

Se fosse desenhar um diagrama disso, eu seria os otários. No passado mesmo, porque não sou mais — e venho espalhando a palavra sempre que possível. Existem muitos caminhos para evitar relações afetivas frustrantes, mas só um é comprovadamente eficiente: não entrar nelas. Às vezes, esquecemos daquele momento crucial em que concordamos com pactos incômodos.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.