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Luiza Sahd

‘Escola Sem Partido’ pode criar ambiente ideal para o bullying

Luiza Sahd

10/05/2018 04h00

Imagem: iStock

Quando a gente decide não enxergar alguma coisa, isso não faz com que a coisa desapareça. Estou segura da afirmação porque venho tentando a técnica com a fatura do cartão, com os cabelos no ralo da banheira e com as moscas que insistem em visitar a casa no verão, entre outros fenômenos desagradáveis. É um instinto bem humano e natural, mas os resultados são decepcionantes: nada disso desaparece de lugar nenhum a não ser do meu campo de visão. Como sou inclinada ao pragmatismo, a opção de cegueira não diminui em nada a minha aflição de lidar com a "coisa" — mas cada pessoa se diverte como pode.

Aparentemente, o deputado Flavinho (PSC-SP) não é dos meus. Ele é autor do projeto de lei conhecido como Escola Sem Partido, que, se aprovada, proibirá o uso da palavra "gênero" e da expressão "orientação sexual" em sala de aula. O texto também prevê a proibição de manifestações partidárias no ambiente escolar — daí o nome.

Se estivesse na comissão do projeto, eu sugeriria "Escola de Magia Para Não-Magos" em lugar de "Escola Sem Partido", porque a rapaziada está acreditando de verdade que ignorar questões de gênero poderia fazer com que elas desaparecessem num passe de mágica da vida das crianças. Na prática, o aluno gay vai continuar lá, sendo bem gay dentro do coraçãozinho dele. Se isso fosse algo que "se aprende" na escola, não teriam existido transexuais ou homossexuais nos séculos passados.

Na prática, a Escola Sem Partido é pouco mais do que um respaldo legal para que colegas e professores possam reprimir e punir alunos que manifestem "desvios" em relação a heteronormatividade, mas você também pode chamar de violação dos Direitos Humanos, se preferir (até porque a gente sabe muito bem como as crianças podem ser sofisticadas na hora de traumatizar outras).

Em breve resumo, a gente pode deduzir que a Escola Sem Partido será um ambiente acolhedor e confortável para crianças e educadores que queiram praticar bullying. Em bom português, vai ser um celeiro de violência. O que os apoiadores do projeto parecem não suspeitar é que a repressão também gera pressões internas nas vítimas — cedo ou tarde, elas também se rebelam e se radicalizam em suas convicções. Quem sabe, no futuro, virando autores do projeto "Escola Sem Gênero".

A gente sempre pode não olhar para tudo isso, mas, acredite: olhando ou não, o barril de pólvora continuará ali. Geralmente, são os mais distraídos que detonam a explosão.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.