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Luiza Sahd

Na verdade, sua faxineira não é 'como se fosse da família'

Luiza Sahd

01/03/2018 05h00

(Foto: iStock)

 

Alguma vez você já se perguntou por que tanta gente tem pudor de chamar a faxineira de faxineira? Buscando sinônimos para essa palavra, encontramos termos quase tão pudicos quanto os usados para falar de genitálias sem dizer um palavrão. No caso das faxineiras, é comum ouvir "a moça que trabalha lá em casa", "nossa ajudante", "secretaria doméstica", "diarista" (que palavra pode ser mais vaga do que diarista, meu Deus?) e, geralmente, "a senhora que ajuda lá em casa", como se ela te ajudasse a, sei lá, refinar drogas clandestinamente num porão.

Se não chamamos um profissional pelo nome que a profissão dele recebe, é por que tem algo esquisito nessa dinâmica… E gente sabe que tem, até porque a regulamentação da profissão precisou ser revista há menos de uma década e isso provocou um debate público enorme. Em boa parte dos casos, as trabalhadoras não tinham todos os direitos trabalhistas, como se elas fossem às nossas casas fazer coisas escusas e não fossem trabalhar, como todas as pessoas que não são herdeiras fazem.

Se, por um lado, os empregadores não garantiam o FGTS dessas mulheres, por outro, muita gente costumava dizer que "Fulana é como se fosse minha mãe" ou "é como se fosse da família". Praticidade, né? A gente não paga parente para fazer nada por nós.

Agora, vem aqui: você queria ser como se fosse da família do seu chefe? Se a resposta for não — e quase sempre é — como alguém pode achar que a resposta da faxineira seria sim? Cair na real é sempre uma urgência da vida, e se a gente for sincero consigo mesmo, sabe que, em pouco tempo, até os nossos sobrinhos vão reclamar de ter laços de sangue conosco quando perguntarmos "das namoradinhas" no Natal. Você acha mesmo que uma funcionária iria buscar carinho na nossa casa?

Não sei você, mas quando vou trabalhar, eu busco uma série de coisas diferentes de afeto: dinheiro para pagar as contas, evolução profissional, ascensão social etc. Carinho eu busco fora do ambiente de trabalho (ainda que seja melhor trabalhar em um ambiente aconchegante). A grande questão é que o objetivo final de quem trabalha, definitivamente, não é ganhar elogio nem chamego. Esse papo de que a faxineira é como se fosse da família já começa mal porque o "como se fosse" já deixa bem claro que não é. Será que dizer isso não é uma maneira sutil e enraizada de tentar oferecer alguma vantagem em contrapartida de condições de trabalho abusivas?

A faxineira faz o que odiamos fazer e pode ser que isso te constranja. Esfregar privada é tão desagradável quanto necessário, então, se fazer isso não está nos seus planos e você opta por pagar alguém para fazê-lo, o ideal é tratar esse trabalho com a seriedade que qualquer ofício merece. Ser faxineira no Brasil já não é moleza: aqui é um dos poucos lugares do mundo onde ainda existe tanque apesar do advento da máquina de lavar, sem contar o famigerado quartinho de empregada (que também é "como se fosse" um quarto habitável, com janelas e tal).

O que sua faxineira quer é dignidade, não elogio. Igualzinha a você.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.