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Luiza Sahd

Você vivencia realmente o textão que publica na internet?

Luiza Sahd

23/02/2018 05h00

A gente na internet, todo dia. (Foto: Reprodução/Twitter)

 

Este textão aqui não quer passar nem perto de te dar uma lição de moral. Viver de textão (como é o meu caso e de outros tantos colegas) faz com que a gente jamais tenha certeza do que está dizendo, principalmente porque as palavras escritas são estáticas. O mundo, não.

Quando pergunto se você realmente vivencia o textão que compartilha na internet, minha preocupação não é com apontar hipocrisia ou incoerência na sua vida, mas que a gente consiga experimentar de verdade as coisas que prega exaustivamente.

Ontem fui visitar um amigo e ele levantou a lebre do textão versus vida real. Particularmente, fiquei bolada com a quantidade de vezes em que exaltei iniciativas que nunca consegui ter na vida fora dos ecrãs.

A gente se empolga com a hashtag #MeToo e tolera vagabundo assediando a colega de trabalho; reclama da piada impertinente do Silvio Santos, mas não consegue retrucar o primo mala que fez a mesma coisa no almoço de família; fica chocado com a negligência política em relação à saúde pública enquanto enche o rabo de comida ensebada e cachaça. O textão tem sido um ensaio sem fim para o que queríamos da vida real — mas não temos muita disposição de bancar.

Depois da conversa que tivemos sobre isso, saí da casa do amigo decidida a só abrir a boca para pregar sobre o que eu realmente fosse capaz de realizar no dia a dia. Não se passaram 24 horas desde então e eu já:

  • Fui assediada sem esboçar reação, porque estava começando a chover e não quis ficar discutindo com um estranho enquanto meu cabelo se desfazia;
  • Me atrasei para a terapia, tempo contado e precioso de organização da minha vida;
  • Julguei secretamente uma mulher dando refrigerante para um moleque de fralda;
  • Ri da letra de uma música que, na verdade, deveria me dar motivos para chorar;
  • Burlei o boicote de anos a um restaurante porque estava morrendo de fome e pressa.

Pode ser que eu esteja enganada (adoraria!), mas como parte responsável pela existência de textões, meu único conselho útil nesse sentido, hoje, seria: se te falta coragem para pôr em prática o que colocamos na internet, desligue o textão e vá ver TV.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.