O que acontece com os problemas quando nos afastamos deles?
Quando era criança, eu não via a hora de ser adulta. Para começar, nem de criança eu gostava: elas estragavam os brinquedos, choravam, tinham brincadeiras que me irritavam. Fui uma daquelas crianças precoces que hoje me causam um misto de pena e pavor. Durante a infância, meu negócio era ficar de butuca em papo de adulto. Eu acreditava de verdade que eles sabiam o que estavam fazendo e que esse dia também chegaria para mim.
Vinte e muitos anos depois, me sinto meio sacaneada ao notar que provavelmente nem meus pais, nem os professores da escola, nem meus avós jamais souberam realmente o que estavam fazendo. Eles só precisavam aparentar segurança para que eu me sentisse segura também. Funcionou… mas, tadinhos. É difícil lidar com problemas sem o privilégio de apenas sentar e chorar até sair ranho do nariz e ficar lambendo. Enfim, são coisas que descobrimos meio tarde demais. Talvez alguém devesse revelar isso para as crianças com aquela notícia sobre o Papai Noel.
Dos 12 meses do ano, passo 11 longe de casa. Com isso, é óbvio que me afasto fisicamente de um caminhão de problemas, fora a parte maravilhosa das coisas todas. Quando chego a São Paulo, tudo parece meio poético: nosso sotaque tosco, a comida, a umidade do ar deixando meu cabelo lambido enrolado, as coxas grossas assadas por causa da mesma umidade, a euforia dos reencontros e a tentativa vã de explicar tudo o que me aconteceu em um ano. Nunca consigo e acabo resumindo o papo em novos abraços, que dizem mais do que eu poderia com palavras.
Depois, é hora de lidar com os problemas de adulto. Durante os 11 meses longe, eles estiveram pairando em algum lugar longe das minhas mãos, mas perfeitamente intactos. Estavam presentes virtualmente, mas é tão diferente ver o problema ao vivo, a um palmo do nariz!
Em outubro, perdi um tio muito querido e estou sentindo o peso real da ausência com quatro meses de atraso. Em dezembro, foi-se também minha cachorra honorária, a Maria, que não estava aqui para abanar o rabo e grunhir quando larguei minhas malas e me joguei no chão da sala em São Paulo. As ausências às vezes são tão palpáveis quanto as presenças.
Quando a gente se afasta, os problemas não diluem: ficam intactos, guardados em algum lugar misterioso, esperando que você se aproxime para realmente tateá-los. É fundamental e inevitável ter de pegar as dores com as próprias mãos e dar um destino para elas.
Como todo adulto de qualquer idade, ainda não descobri quase nada sobre a vida, mas já tenho uma intuição sobre manter distância do que é difícil: tudo espera quando você se afasta. É mentira que você perde algo que importa quando mora longe; o que acontece é que a vida vira só uma fase mais difícil do tetris de encaixes de emoções de perto e de longe, mas todas precisam caber dentro de você.
Quando não couberem, talvez seja hora de visitá-las pessoalmente.
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