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Luiza Sahd

Talvez as mulheres precisem aprender a menstruar

Luiza Sahd

01/12/2017 08h00

Ilustração de Uday Deb (Reprodução/ India Times)

 

Existem coisas que nosso corpo faz "automaticamente" e, mesmo assim, poderíamos aprender a fazer melhor. Bom exemplo disso é a respiração, que é nosso primeiro gesto ao nascer e o último antes de morrer. Apesar disso, passamos a maior parte da vida respirando errado.

Conversando com uma naturóloga, ouvi sobre como bebês inspiram o ar expandindo realmente a barriguinha e o tórax, enquanto nós, adultos apressados em tudo, economizamos respiração e usamos só a parte de cima do corpo. Conhecida como "respiração curta", ela só faz aumentar nossa ansiedade.

Outra coisa que temos feito mal, sem dúvidas, é menstruar. Uma pesquisa recente do Datafolha indicou que 85% das brasileiras menstruam e, delas, 55% não gostam disso. Com tristeza, constato que me incluo nessa estatística, mas acho cada vez mais possível sair dela — da mesma forma que passei a respirar melhor depois de uns meses praticando exercícios respiratórios.

Os motivos para não gostar de menstruar a gente pode enumerar de trás para frente: cólicas, tpm, inchaço, inconvenientes para ir à praia ou manter a vida sexual ativa, mas, principalmente, ter que passar por tudo isso sem deixar a peteca cair em nenhum setor da vida.

Este vídeo mostra bem como, na verdade, toda mulher com ciclo normal acaba sendo quatro mulheres em uma:

 

Ao contrário dos homens, a maioria de nós é cíclica. Isso significa passar por oscilações físicas e de humor a cada semana, mas também é um traço de versatilidade. Não é por acaso que somos mais multitarefas (ainda que haja um fator social imenso nisso aí). O que nunca nos ensinam são as razões porque menstruar pode ser uma espécie de privilégio, e elas não são poucas.

Focada no lado brilhante da vida e da menstruação, tenho usado o ciclo a meu favor no último ano e recomendo fortemente. A agenda, por aqui, é mais ou menos assim:

Primeira semana
Menstruar me consome tanta energia (inclusive em termos de dor) que a sensação durante três dias é de ser incapaz de fazer qualquer coisa, porque meu corpo está ocupado demais… menstruando.
Uso para: recalcular rotas. Nada como um incômodo físico para que qualquer coisa pequena nos deixe irritadas em dobro, e isso é um ótimo método para detectar o nos perturba há tempos (mas não nos damos conta quando estamos bem dispostas). Nessa fase do ciclo, sinto quase um poder de supersensibilidade sobre o que preciso mudar em mim ou nas minhas escolhas. Funciona tanto que dá até medo.

Segunda semana
A subida do estrogênio no organismo me deixa tão bonita, criativa, bem disposta e libidinosa que eu só gostaria de morar nessa semana para sempre.
Uso para: socializar, namorar, focar em projetos criativos, lembrar que viver é bonito. Defino essa semana como a que faz com que continuemos vivas, mês após mês, até a menopausa.

Terceira semana
A ovulação me faz lembrar de que sou pouco mais do que um animal justamente quando termina. Para mim, isso vem acompanhado de uma mini tpm no meio do mês, tipo carnaval fora de época, porque não basta ter uma tpm oficial, aparentemente. Tchau, estrogênio! Vou sentir muita saudade de você até o mês que vem, mas…
Uso para: reavaliar os cuidados com a alimentação e atividade física. Já que tudo fica uma nhaca, eu vou é me curtir. Todo mundo deveria estabelecer ao menos uma semana de treat yourself por mês. Até quem não menstrua.

Quarta semana
É chegada a hora de chorar com vídeo de cachorro dando a pata, propaganda de previdência privada ou comentários alheios que absolutamente não são ofensivos. Nessa fase, sempre me questiono se eu realmente não mataria ou roubaria por chocolate caso fosse privada dele.
Uso para: cultivar as relações com as outras pessoas. Já que estou vulnerável, transmutar isso em carinho é uma forma de ganhar carinho e, de quebra, evitar tretas. Chorar também é saudável, porque produz noradrenalina e serotonina. Deus me livre de choro preso, única coisa pior do que intestino preso.

 

E vamos nós outra vez, tudo de novo, até quando os hormônios quiserem.

Aprender a menstruar é urgente porque, mesmo que o mundo peça excelência e constância em tudo, nossa natureza é o que é. O mínimo que podemos fazer por nós mesmas é respeitá-la; o máximo seria aprender com ela. Para quem duvida, já existe até uma Escola Menstrual — e as alunas se dizem muito mais felizes depois de entender o próprio ciclo.

A verdade é que é bom ser várias várias mulheres em uma. Mas é ruim também. Mas é ótimo. Depende da semana, entende?

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.