O único lugar seguro do mundo nem é lugar: é o agora
Ninguém precisa de razões para escutar Refavela, álbum de 1977 do Gilberto Gil que nunca fica velho. De todas as maneiras, quem tá a fim especificamente de um pouco de paz, vai encontrar um tanto na terceira faixa, quando ele canta bem mansinho que "O melhor lugar do mundo é aqui/ E agora".
Tô ciente de que essa conversa tem pinta de Power Point anexo no email "Enc:Fw:Fw :fw: LINDO!!!!", mas acredito de coração que a gente ainda não assimilou essa mensagem tão fácil e batida sobre viver o presente. Deve ser porque a nossa geração é a primeira na história a conseguir acessar tantos tempos simultaneamente, e o resultado é que andamos trançando as pernas (tanto!) sem necessidade de tomar porres para tropeçar.
A gente acorda já engolindo um café furreca misturado com notícias indigestas. Pra mim, não existe nada mais Black Mirror do que esse negócio de abrir os olhos já com a oportunidade de conferir mais ou menos tudo o que aconteceu no mundo enquanto dormíamos. Como pode isso?
De lá, a rota comum é checar notificações de redes sociais e possivelmente ganhar de brinde umas voadoras na cara em forma de lembranças. Aquelas fotos do que você estava fazendo três anos antes são roletas russas. Umas vem com "ufa, que bom que isso aí já acabou" e tem dia que é "eita, que eu era feliz e não sabia". Mas se roleta russa fosse bom, não batizaria técnica de tortura, né?
O tempo que sobra, a gente costuma gastar bolado com o futuro. Sempre pergunto a gente calma o quanto elas se angustiam com isso e suspeito que nenhum ser vivente está 100% de boa nesse quesito. O único alívio possível é confiar que não viveremos para ver formas de prever o futuro — ou, ao menos, é a teoria do Stephen Hawking quando diz que "A prova de que no futuro não existirão viagens no tempo é que não estamos sendo visitados pelos viajantes do futuro". FINALMENTE BOAS NOTÍCIAS. A gente não consegue nem administrar passado-presente, convenhamos.
Lendo isso dos viajantes do futuro, parece pouco poética a perspectiva de que nunca realizaremos o sonho da viagem no tempo, até porque viagem de avião, que é bom, tá uma fortuna. Por outro lado, imagina você viajando para um futuro próximo (uma viagem curta, de fim de semana) e o climão que deve ser contar a si mesmo que "não, daqui a 50 anos não vai estar tudo bem".
Eu pulo. Sei lá você.
Pensar em longas viagens atráves dos tempos só faria sentido se a gente conseguisse pelo menos viver agora, o que aparentemente não está sendo muito o caso. Se fosse, o mindfulness não seria o assunto mais pop do momento para os profissionais de saúde e bem estar.
Antes de que desenvolvam uma maneira de visitar o passado ou o futuro, seria uma boa que o pessoal da ciência desenvolvesse uma forma de a gente estar plenamente aqui e agora. O passado é cheio de poeira e traumas, além de ser especialmente ruim porque podemos tirar conclusões sobre ele; o futuro provoca ansiedade e medo de que não seja lá uma maravilha.
Mas sabe o que é uma maravilha? Aqui, nos milésimos de segundo em que a gente olha bem em volta e repara que não tem nada pegando fogo. Ou não tem nada pegando fogo por enquanto, tudo bem. Dá até pra sentir um soprinho de paz quando a gente pensa assim. Pena que dure tão pouco.
Mesmo quando achamos tudo meia-boca, o hoje é o que tem pra hoje. Eu gostaria de ter notícias melhores, mas é o que tem para hoje, mesmo.
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