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Luiza Sahd

Provavelmente, o ensino religioso só vai afastar os alunos da religião

Luiza Sahd

02/10/2017 07h00

Convenhamos, o sonho de nenhuma criança fã da Barbie é se vestir de Cristo. (Foto: acervo pessoal)

 

Na última semana, o Brasil fez igual ao Temer e recuou mais um pouquinho. Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as escolas públicas de todo o país deverão oferecer ensino religioso confessional aos alunos. Em termos práticos, podem escolher uma religião e criar a disciplina específica para o aluno aprender e ser avaliado como se fosse matemática, química, português.

Ficar aqui reforçando por que isso é um absurdo já não é nem uma questão. Passar por cima do suposto Estado laico e de todo o nosso sincretismo religioso, além de não ter cabimento, vai formar um batalhão de criança-capeta, como geralmente é o que acontece com a molecada que estuda religião na escola.

Por quase uma década, estudei em uma escola de freiras imensa e lembro de ser muito feliz ali, assim como meus colegas. O lado ruim era que a gente tinha que estudar religião. O lado bom é que a maioria de nós aprendeu cedo a se afastar da igreja. Se as famílias matriculavam os filhos especificamente para que crescessem em conformidade com os preceitos católicos, fico triste em opinar que talvez tenha sido um tiro no pé.

Lembro com carinho de diversos momentos religiosérrimos da escola, mas, em todos eles, as atividades pareciam mais divertidas porque a lógica cristã era subvertida. Vamos ver:

– Passávamos semanas ensaiando a encenação da Via Sacra e adorávamos.
Motivo: matar tempo de aula, praticar bullying tranquilo longe dos professores, dar umas voltas pelo pátio e, quem sabe, flertar.

– Assistíamos todos os anos o mesmo filme sombrio que contava a vida de uma freira que morria de tifo. Muito legal.
Motivo: matar tempo de aula, rir das atuações exageradas dos atores, fazer piada com o tifo.

– Alguns de nós fazíamos Encontro de Jovens Com Cristo nas tardes livres.
Motivo: socializar, paquerar. E eu aposto que Cristo não aprovaria os motivos escusos porque voltávamos para a escola e aprendíamos músicas católicas depois do horário de aula.

Existe também o lado feio da coisa, e esse sim provavelmente vai se repetir em escolas com ensino religioso confessional: os tabus eram enormes e a culpa é um sentimento que não pode faltar na formação do bom cristão.

 

De tempos em tempos, desde os 9 ou 10 anos de idade, tínhamos que nos confessar com um padre. Que pecado uma criança desse tamanho poderia ter? Lembro de, diante da necessidade de dizer alguma coisa ali, contar que falsifiquei uma assinatura de nota vermelha no boletim e que puxei o cabelo da minha irmã. O sacerdote me mandou rezar um tanto lá, mas sinceramente isso aí ainda me fez aprender sobre impunidade. Lição de casa nunca foi o meu forte e jamais cumpria as penitências pelos pecados.

Se Deus castiga quando a gente descumpre preceitos religiosos, não tenho certeza absoluta porque sou agnóstica (exceto durante turbulência em avião). Agora, uma dúvida eu não tenho: as freiras, essas sim, castigam. Das coisas mais absurdas que presenciei em toda a minha vida escolar, me marcou a vez em que uma colega do 9° ano engravidou. As madres fizeram uma espécie de comunicado geral de cujo teor eu não lembro detalhes, mas o grau de exposição da garota foi inesquecível. Era uma jovem grávida ali, mas o tratamento dedicado à questão me fez arquivar em algum lugar da cabeça que engravidar antes dos 20 seria o equivalente a virar o Anticristo.

Por essas coisas, lamento muito que ainda exista o ensino religioso em escolas e não tenho otimismo suficiente para apostar que em tempos diferentes, as coisas seriam melhores. A igreja não muda, mas, por sorte, a aversão que gente jovem e esperta vai criando dela, também não.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.