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Luiza Sahd

Por que a gente tem tanta vergonha de sentir inveja?

Luiza Sahd

14/09/2017 08h00

Ninguém sente inveja, mas todo mundo tem medinho de mau olhado, já reparou? Há algo de errado com essa matemática (Foto: iStock)

 

Alguma vez algum sábio disse que "A força da sua inveja é o combustível do meu sucesso" e meio mundo fez selfie com essa legenda —  e mais um monte de emoji. Sei lá se a inveja é combustível para o sucesso de alguém (pessoal consome cada combustível doido, tudo é possível) mas ela é, antes de tudo, um bom chacoalhão para a gente mexer a bunda por algo melhor, sempre e quando o sentimento é reconhecido e aceito.

Me aponta uma pessoa que não sinta inveja de nada e eu te aponto um mentiroso. Inclusive, se não fosse a danada, seguramente as redes sociais não prosperariam tanto. Redes sociais são a corda e a inveja é a caçamba. De todas as formas, ninguém toca muito no assunto, deixa quieto.

Alerta de opinião pessoal: uma inveja bem gerida é quase um prazer. Eu gosto de reservar uns minutos do meu dia para flanar no Instagram, a rede mais adequada para isso. "Ó lá o fulano na Grécia, cacete!", "Cicrana ganhou esse prêmio? Oloco."; "Viagem de galera para a fazenda numa terça-feira, ai como eu queria". Quanta invejinha gostosa. Inveja solta a imaginação.

Fora soltar a imaginação, a inveja mais intensa esfrega na nossa cara o que tá péssimo em nossas vidas. Inveja intensa de alguém sempre diz mais sobre quem sente, mas como é duro assumir algo tão humano. Já senti inveja de alguém que eu amava incondicionalmente e reconhecê-la foi talvez dos maiores nós cerebrais que já senti, mas não precisava. No dia em que eu entendi e falei "Pô, não consigo isso aí que você consegue e estou brava com você porque me dá inveja", a maldita acabou.

Falar é quase sempre um recurso de cura, mas não dá muito para sair na rua dizendo "BOM DIA, ESTOU COM INVEJA DESSA TUA COXA MALHADA" porque né, fica desagradável. Nesse caso, as pessoas deveriam ao menos falar com elas mesmas, dentro da cabeça. Inveja fermentada fede como qualquer outro lixo, às vezes vira até caso de polícia. Faz o maior tempão que Caim matou Abel e essa história continua contemporânea.

Sempre tento juntar a minha inveja e fazer algum negocinho com ela. Colarzinho de miçanga, castelinho de areia, bolo de três andares, risoto de inveja. "O Joãozinho tá sarado, eu deveria malhar" já é bem melhor do que "O Joãozinho tá sarado, lazarento". Permita-se sentir, não faz mal não. O sabor da inveja é amargo, mas é igual café: com um pouquinho de açúcar, dá pra engolir.

Que bom que existe a inveja. Não fosse por ela, a gente não mudava de cabelo, de cidade, de trabalho, de turma. Pega essa inveja toda aí e faz cafuné na cabeça dela, dá beijinho. Ela merece.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.