Topo

Luiza Sahd

Ser extrovertido é uma sorte grande e um fardo enorme

Luiza Sahd

24/08/2017 08h00

Vai lá, dá selinho em todo mundo sim, amiga. (Foto: Divulgação/RedeTV)

 

Quem fala muito, fala bobagem. Não tem jeito, é estatístico. Parafraseando Romário no quiprocó com Pelé, uma pessoa calada é sempre um poeta. Não corre riscos, né?

Acontece que tem gente que não consegue guardar a língua na boca. Formiga, dá desespero.

Deve ser um defeito congênito essa necessidade de comunicação constante que aflige o expansivão desde a infância, já durante o fatídico processo de aquisição de linguagem. É tanto pensamento que, até depois de dormir, dá para acordar cansado de pensar. Eu sonho todas as noites e, infalivelmente, lembro dos detalhes de cada sonho. Se deito agora para uma horinha de soneca, sonho também.

Sabe para onde tanta informação é escoada? Para o ouvido de qualquer um. Qualquer um. Bobeou, tá me escutando. Aliás, gosto muito do Rio de Janeiro, que tem uma coisa que São Paulo não tem: você para dois minutinhos assim num ponto de ônibus e sempre vai aparecer um desconhecido — geralmente de sunga e pochete ou looks afins — falando contigo na maior intimidade, sem se preocupar muito com a função fática da comunicação. Ele nem liga se você tá prestando atenção mesmo. Ele só precisa desabafar e, de preferência, longamente.

Assim como acontece com boa parte dos cariocas, uma pessoa super extrovertida costuma ter reputação de carismática e, às vezes, de mala. Pessoalmente, já me aconteceu de marcar um date e, no meio do papo, notar sinais de desorientação física no interlocutor, provavelmente causada por uma overdose de falação. A pessoa que gosta muito de se conectar perde até a perspectiva de paquera, porque ela lembrou que uma vez blá blá, blá blá blá, e aí estava passando um filme que blá blá e não sei o quê. Pronto. Descanse em paz, clima de romance.

Obviamente, ser extrovertido também vem com um caminhão de vantagens. Uma delas é que a gente conhece todo mundo. Me diga uma necessidade específica tua que encontro algum amigo que talvez possa ajudar. Precisa comprar uma televisão de tubo com botões cinza e vermelho até quarta-feira? Rapaz, tenho um amigo que está vendendo uma justamente assim. Não existe perrengue insolúvel em mão de gente expansiva.

Por outro lado, todo superpoder vem com super responsabilidades, e aí sou obrigada a mencionar a demônia da raposa em "O Pequeno Príncipe", com aquela conversa de se tornar responsável por aquilo que cativas. O problema é que gente extrovertida, além do coração espaçoso, pode ter também dias ruins. Só que ela conversa com mais gente diariamente do que um atendente de telemarketing. Ela só queria chorar quieta, mas não para de receber abordagem. Ela poderia apenas dizer "desculpe, falo contigo depois porque não tô legal", mas a resposta seguinte que ela teria que dar é o que, afinal, aconteceu… e responder daria muito mais trabalho do que sorrir e acenar.

O expansivo é o próprio palhaço que pinta a cara para disfarçar as lágrimas. Nem a pau que a gente vai contar sobre a disgrama que aconteceu 80 vezes ao dia. O expansivo não tem direito ao choro não, bem feito! Quem mandou ficar de conversa fiada o tempo todo por aí?

Outra coisa muito difícil na vida de um boca mole é que, falando, falando, ele dá liberdades. Ele escuta coisas que não queria, o tempo todo. Quem escuta, meio que tem que opinar. E ele se vê no avião pensando "Meu Deus, por que esta pessoa está me contando que usa dentadura?".  Ele também se sente em casa em qualquer lugar e, com isso, sempre se dá conta, muito tarde, de que está tranquilão em um ambiente erradíssimo.

O extrovertido tinha que andar com sachezinhos de sal grosso como ombreiras, porque troca tanta energia por aí ao longo do dia que fica difícil filtrar.

Sempre chega o dia em que ele volta para casa exausto e se promete fechar a boca para sempre. Ele fecha. Daí o celular apita e começa tudo de novo.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.