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Luiza Sahd

8 experiências de quase-morte para quem vai morar fora do Brasil

Luiza Sahd

22/08/2017 08h00

Aguenta, coração. (Foto: iStock)

 

Todo mundo tem um amigo que mora fora. Geralmente, é o pentelho que fala "não, porque lá na Suécia não-sei-que-não-sei-que-lá". Eu sou essa pessoa na minha turma — e já me conformei com esse incômodo papel social, porque o inexorável precisa ser aceito o mais rápido possível. Fica melhor pra todo mundo.

Agora, o que o pulha que mora fora não costuma contar são os dramas cotidianos que um brasileiro vive quando inventa de "mudar de ares, sei lá, abrir a mente, viver na gringa".

Meus últimos dias no exterior poderiam render a nova saga "Harry Potter", mas, ao contrário do colega que arrota causos que não interessam para ninguém que esteja ocupado demais entubando um Temer, vou dar uma resumida. São dicas. Alertas. Você que não se cuide caso invente de cruzar a fronteira.

1. Ficar doente longe de casa
Semana passada, inventei de passear na Itália. A Itália é um pedacinho do Brasil na Europa, a gente sabe. Não existe o tal conceito de personal space, ninguém respeita lei nenhuma, geral fala alto mesmo, os aeroportos mais parecem a Rodoviária Novo Rio em véspera de Carnaval e as regras são: não há regras. O que poderia dar errado? Tô em casa, pô!
Resposta: eu adoeci nesse lugar. E italianos não costumam falar nenhuma outra língua que não sejam as mãozinhas gesticulando ou o idioma deles. Os caras até sacam um inglês, um espanhol, qualquer coisa de português, mas nem sempre estão a fim de fazer essa força comunicativa. A vida é curta demais para ficar se esfolando em prol da turistada.
Especificamente na Sicília, me avisaram que não precisa ter seguro de saúde para ser atendida em hospitais, ó que beleza. Mas eu não nasci ontem. Já perdi meu passaporte na Toscana em outra ocasião e os policiais pediram para eu redigir meu próprio Boletim de Ocorrência porque não saberiam fazê-lo em inglês. Se eu tivesse escrito "esta queixa é porque vocês são tudo uns tontos", passaria batido. Inclusive, em todos os lugares onde precisei apresentar o tal B.O., ninguém tinha paciência para lê-lo e o padrão era que resmungassem qualquer coisa ininteligível enquanto me deixavam passar. Pragmatismo é tudo, amore.
Esse papo de "de graça, até injeção na testa" é furadíssimo. Eu é que não me arrisquei a tentar explicar meu mal estar para um médico italiano. Como resultado, fui piorando ao longo da viagem, até finalmente fazer a deliciosa rota Aeroporto x Pronto-socorro chegando à Espanha.

2. Escolher em qual idioma pagar mico
Botei os pés na terra de Pedro Almodóvar chorando de dor e de susto porque tava pouco de desgraça e meu voo arremeteu. Nessas horas, você nunca sabe escolher em que idioma dar um faniquito, porque, ao mesmo tempo em que talvez seja melhor que ninguém te entenda falando "não quero morrer ainda", você gostaria de receber um abraço da aeromoça. É sempre um dilema. Escolhi o português para chorar e o espanhol para inquirir o comissário se a gente ia bater as botas mesmo ou não.

3. Dar e tomar broncas
A primeira providência que a médica espanhola tomou em relação ao meu estado lamentável foi oferecer um belíssimo esporro por eu ter deixado minha saúde chegar nesse limite. Na Espanha, tem open bar de esporro todo dia, como contei aqui, mas o lado bom disso é que você também pode ser grossa e tá todo mundo em casa.

4. Não ser medicado na veia
Outro clássico na Europa é sair engatinhando do hospital para uma farmácia, porque, aqui, os médicos economizam remédios intravenosos como se fossem recursos hídricos, como se fossem salvar o planeta regulando um paracetamolzinho na veia para quem está urrando de dor. Como eu estava péssima fisicamente e das ideias, não lembro muito bem o que fiz com meu cartão de crédito brasileiro na saída da farmácia.

5. Perder o cartão brasileiro
Você já perdeu um cartão brasileiro no exterior? Você não queira. Você vai comer lixo por um mês. Eu sei porque já perdi, sou Recordista Mundial de Perder Coisas. Não vejo a hora de inventarem o cartão de crédito subcutâneo. Me passa num scanner de supermercado três vezes ao dia, mas não me faz passar por essa roubada de novo, por favor.
Importante: achei o cartão hoje. Estava na sacolinha da farmácia.

6. Comprar tudo à vista
Por falar em crédito, das coisas mais chocantes que vejo aqui, destaco: não existe venda parcelada no cartão. Isso aí eu nunca vou entender. Povos que se conformam em comprar apenas o que o saldo bancário permite. Que loucura, gente. Me deixa ter o que não posso ter em paz!

7. Lidar com o fato de que tudo fecha em agosto
Tudo fecha em agosto. Lojas, restaurantes, tabacarias. Minha vida é basicamente fumar e adoecer, então a coisa tem sido complicada porque, aqui, de alguma maneira misteriosa, os comerciantes têm recursos para baixar as portas por um mês e tchau mesmo para os trouxas que ficaram nas capitais. Dizem que a Espanha está em crise, então chuto que os caras conseguem se ausentar por tanto tempo porque não usam cartão de crédito para comprar smartphone chique em 12 vezes.

8. Aceitar que não tem comidas brasileiras
Não tem feijão carioquinha. Não tem água de coco. Não tem cachaça.
Só espero que Deus esteja vendo e anotando esse calvário.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.