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Luiza Sahd

O que choca no aplicativo Sarahah é a civilidade da galera

Luiza Sahd

10/08/2017 08h00

Para quem define o brasileiro como povo incivilizado, o Sarahah foi uma torta na cara.

Passei anos desperdiçando saliva para vociferar contra gente incapaz de interpretar os misteriosos conceitos "faixa de pedestre", "fila" e tudo isso. Inclusive, quanto mais nobre o bairro, mais pobres costumavam ser os espíritos (um beijo, Alphaville!). Dinheiro não é sinônimo de educação, né?

Daí, chegou esse aplicativo, criado supostamente para enviar críticas construtivas de forma anônima aos amiguinhos. E lá fui eu caçar assunto, como 87% da minha timeline e, provavelmente, da sua também.

Li bastante sobre o perigo que o Sarahah poderia representar em termos de cyberbullying e, pessoalmente, caí do burro em relação às expectativas. Divulguei meu perfil em meios que somam uns 16 mil seguidores, e o total de mensagens violentas que recebi foi: 0.

É evidente que algumas variáveis como a minha idade, comportamento e entorno influenciam neste tipo de experiência, mas tenho followers com idades e realidades bem variadas. Fora isso, todos sabemos que anonimato em mão de interneteiro é oficina do capeta. Então, que me chocou no Sarahah, mesmo, foi a civilidade da galera.

Recebi foi muita cantada, mas nem na vida real as pessoas costumam ser tão elegantes:

Nem te conheço; também te amo.

 

Rapaz, possivelmente a declaração mais bonita que recebi na vida e é anônima. Se todos os assediadores no mundo fossem iguais a você… Que maravilha viver!

E o que dizer deste belíssimo elogio que, de quebra, me fez lembrar da música "Essa Tal Liberdade", hino de 1994 entoado pelos pagodeiros do Só Pra Contrariar?

 

Também queria ter a metade. Ela inteira tem dado trabalho demais, rs.

 

Obviamente, teve também gente abelhuda, como diria minha avó. Mas nem assim a pessoa foi 100% escrota, espia:

Metendo a colher em papo de marido e mulher, mas sempre com muito carinho.

 

Teve quem não entendeu direito como funcionava a parte do anonimato (infelizmente, com promessas matrimoniais que não pode cumprir):

Gabriel…

 

E teve quem não entendeu nada. Mesmo.

Lurde, abre aí seu inbox que tô explicando onde aperta tudo nesse app.

 

Por último e não menos importante, o Sarahah me ensinou que tem coisa que é melhor nunca saber. Mas que faz a gente dar bastante risada: faz.

Descanse em paz, Chorão, marginal alado <3

 

Minha suspeita: será que as pessoas têm vergonha de serem maravilhosas na vida real e usam o anonimato para esconder suas facetas mais lindas? Quem sabe, aquele empiastro que não tira a mochila para cruzar o corredor do ônibus lotado ou o cretino que empurra todo mundo ao invés de gritar "VAI DESCER, MOTORISTA!" têm um excelente coração batendo no peito, baixinho, quase calado etc.

Fica o mistério. E a satisfação por mais essa patacoada que a internet proprocionou para que a gente se divertisse um pouco, sentisse medinho, surpresa, gratidão e todas essas coisas além de indignação, preocupação e angústia com o futuro.

 

 

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.