Um brinde aos nãos que o universo nos dá
Aos nove anos de idade, eu já me mostrava o reverso de um prodígio em matemática. Na tentativa de criar um ser humano apto a, sei lá, saber contar o troco do picolé na praia, meu pai começou a me tomar a tabuada nos momentos em que estava desprevenida.
"Pai, podemos ir ao cinema?" R: OITO VEZES SEIS?
"Pai, minha mochila ficou no carro?" R: SETE VEZES QUATRO?
Era um saco. Mas daí eu descobri a tabuada do nove. Bastava montar, à esquerda, de 0 a 9 e, à direita, de 9 a 0:
09
18
27
36
45
54
63
72
81
90
O mais fascinante é que a soma dos algarismos de qualquer múltiplo de 9 dá um 9. Exemplo: 95463. 9+5+4+6+3 = 27. 2+7 = 9.
Apesar dos esforços do meu pai, decorei mal e porcamente a tabuada dos demais números, mas pergunta aí qualquer coisa sobre o número nove e te faço uma palestra tipo TED Talks.
O tempo é uma ferramenta que serve basicamente para que a gente aprimore nossas loucuras, e, 23 anos depois, não chego a me considerar portadora de transtorno obsessivo compulsivo, mas programo o despertador sempre para horários que somem 9, com soneca de 9 minutos. Que diferença faz acordar às 7:11h ou às 7:15h, né? Mal não faz, alguém disse uma vez… e todo mundo repete isso para fazer qualquer bobajada.
Acontece que ando com muita sorte nos últimos meses. Tudo o que pedi ao universo veio: casa, trabalho, viagem, amizade. Dinheiro é outro papo. Vem também, mas meu talento para gastar é infinitamente superior ao talento para produzir. Então, chocado com meu relato de sortes, um amigo sugeriu: "Luiza, estou impressionado. Você deveria jogar na loteria! Sério".
Além de burra para matemática, sou preguiçosa. Não joguei. Mas ontem eu estava sem dormir, saindo do médico, e ouvi um grito bem no pé da orelha para acordar: "Hoje é o dia da sorte! Olha a sorte aqui na minha mão!".
Era uma senhora cega, agitando com a mão esquerda uns bilhetes da Once na calçada. A Once é uma loteria espanhola que dá emprego e reverte lucros para os deficientes visuais espanhóis. Quer mais sorte do que isso? Uma pessoa te lembrando, na porta do hospital em um mau dia, que você está numa maré incrível de sorte?
O caso se agravou quando olhei o maço de bilhetes e vi um 95463 na mão dela. Em 0.9 milésimos de segundo, vi que era múltiplo de 9, começava em 9, 54 foi o número do apartamento mais feliz em que morei, 63 é o ano de nascimento da minha mãe, meu cérebro fez 9657243 sinapses (some aí). Um brasileiro típico não aguenta com essas coisas. Só pode ser resquício da cultura de jogo do bicho.
"Senhora, quando sai o resultado?"
"Às 9h, guapa. Você pode ganhar 35 mil euros!"
Comprei, né? Fui trabalhar esquecida da contratura muscular que me enlouquece há alguns meses, guardando o bilhete na carteira com a mesma delicadeza que se manuseia um bebê prematuro.
Às 9h, eu mal podia respirar de ansiedade. O resultado não saiu. Deixei para olhar de novo às 9:09. Nada. 9:18, nem cheiro. Às 9:27 eu descobri que aquele ainda não era o meu dia:
Me revoltei um pouco. Voltou a doer meu trapézio. Mas daí, lembrei de alguns outros "nãos" que o universo mandou em outras oportunidades e o que fiz com eles.
Tentando compensar a debilidade matemática, virei um X-Men das ciências humanas na escola. Com isso, me garanti na FUVEST, na VUNESP, na Unicamp. Uma vez, tive um emprego dos sonhos e fui demitida por motivos escusos que não vem ao caso, o que acabou me levando tão longe dos sonhos da época que me fez cruzar o Atlântico para descobrir outros melhores. Houve dias em que meus amigos não queriam sair, fiquei magoadíssima e, buscando algum entretenimento, li os melhores livros da vida.
Teve também o caso da Kelly Key, que se apaixonou pelo professor de Educação Física da escola, ele não quis cometer abuso de menores e, anos depois, ela ganhou uns bons tostões escrevendo "Baba Baby" movida ainda pelo rancor. Ela tá aí e eu também. Estamos todos.
Talvez o universo seja mais sábio nas decisões do que nós mesmos ou talvez ele seja puramente aleatório, mas não custa brindar a todo o mar de possibilidades que se abre a cada "não vai rolar" que recebemos.
Se eu tivesse ganhado na loteria ontem, possivelmente adiantaria dois anos de aluguel e passaria esse tempo comendo miojo por não estar a fim de me esforçar em todo o resto. Talvez não fosse bom para a minha saúde, igual a vez em que você tomou um pé na bunda de alguém que certamente seria ruim para a sua.
Ou talvez isso tudo seja só o otimismo necessário para levantar da cama todos os dias, se espreguiçar, encher os pulmões e dizer bem alto: "agora, fodeu!".
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