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Luiza Sahd

Você não precisa saber nada de física para se comover com Stephen Hawking

Luiza Sahd

15/03/2018 05h00

(Foto: iStock)

 

Quando estava no último ano do Ensino Médio, certo mesmo era ter eu sido reprovada por causa de física. Eu tinha 17 anos e avaliações ótimas na maioria das disciplinas, mas não consegui cumprir os requisitos mínimos para sair da escola com um 7 em física… nem depois da recuperação.

O Conselho de Classe acabou entrando em consenso que eu estava apta a ir embora assim mesmo, porque sabia que eu queria ser jornalista e confiou que física não faria (muita) falta. Até hoje, tenho pesadelos recorrentes que voltei para escola, aos 30, para passar na desgrama da prova.

Agora, vamos entrar num buraco da minhoca para 15 anos depois — no caso, ontem — quando o falecimento de Hawking me emocionou bastante. Por um lado, me sinto um pouco Mulher Maçã homenageando Steve Jobs: a gente vê geral na internet reclamando de quem chora a morte de Hawking sem entender bulhufas do que ele estava dizendo, mas, pra começo de conversa, o cara só precisou do seguinte para explicar a teoria dos buracos negros a ignorantes: 

1 lençol

1 bola de bilhar

1 bola de gude

1 bola muito densa

Tesoura sem ponta

A tesoura sem ponta foi contribuição minha, mas veja que Hawking foi perdendo todas as condições favoráveis para ter vontade de fazer qualquer coisa ao mesmo tempo em que, efetivamente, construía uma existência profícua como poucas no mundo. Uma pessoa que fica sem nada ainda tem imaginação (e isso não é pouca coisa).

Aos 21 anos, desenganado pelos médicos em virtude de uma esclerose lateral amiotrófica, se casou, teve filhos e se convenceu de que queria passar o tempo que lhe coubesse desvendando o funcionamento do universo. Não tem como não amar uma pessoa que tenha essa ambição e, no fim das contas, termine ocupando a cadeira de Isaac Newton em Cambridge.

Aos 32, Hawking descobriu que dependeria de uma cadeira de rodas para se locomover; aos 43, já não podia falar e usava uma máquina para se comunicar por meio do movimento dos músculos das bochechas. Depois, uma máquina que decodificava os movimentos dos olhos do cientista possibilitou que pudéssemos continuar escutando a mente prodigiosa deste homem que só tinha duas reclamações sobre seu estado de saúde: a primeira era que a máquina fazia com que ele tivesse sotaque norte-americano; a segunda era a dificuldade de sair por aí anonimamente quando a cadeira de rodas entregava sua verdadeira identidade. Misteriosamente, ele soube se divertir esse tempo todo.

Você pode olhar para Hawking de muitas maneiras, inclusive do ponto de vista acadêmico. Ainda que nada do que ele postulou te interesse realmente, sobra um tanto de coisa para aprender com o homem. Quando o corpo não bastou para viajar por aí, Hawking usou a cabeça e, todos os dias, me faz acreditar que não dependemos das condições ideais para criar nada na vida.

Faço questão de não mencionar nenhuma das teorias dele aqui porque você não precisa saber absolutamente nada de física para se comover com Stephen Hawking… mas, se souber, também pode.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.