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Luiza Sahd

O novo Largo da Batata deu um nó no meu cérebro

Luiza Sahd

27/02/2018 05h00

Uma cerveja na mão e várias ideias enroladas na cabeça (Foto: iStock)

 

Quando morava em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, o Largo da Batata sempre me pareceu um lugar de passagem: tanta gente passando que era impossível ficar ali pelos motivos mais diversos. Uma vez, saindo do trabalho, fui encurralada por dois caras enormes, muito bêbados — e acho que só escapei porque meu impulso foi fazer escândalo, chamando bem a atenção dos tais passantes.

Esse mês, recebi três convites de pessoas diferentes para estar ali. Fui a todos; amei todos. Almocei em um restaurante improvável até pouco tempo atrás no entorno do largo, fiz uma maratona de bares numa sexta à noite e ainda voltei em outro sábado para um evento que surpreendeu pela diversidade.

Um inconveniente da noite de São Paulo até uns cinco anos atrás era escolher festa sabendo que isso implicava assumir "pacotes": vou naquele bar com música boa e um bando de hipster fazendo cara de quem tá com indigestão? Na festa dos pelados das artes em que vou me sentir a pessoa mais careta do mundo? Na bagaceira onde vou parecer muito séria? Na balada gay pra ficar no maior zero a zero?

Durante as incursões recentes pelo Largo da Batata, vi tudo isso no mesmo lugar, mas o importante é que as linhas entre o que eu chamaria "tribos" eram tênues demais para definir qualquer coisa ali. Tinha um monte de gente branca, um monte de gente negra, indie, millennial e coroa. Achei curioso ver brancos do rap, negras patricinhas, skatistas gays. Aliás, uma das minhas especialidades (deduzir quem é gay) enfraqueceu na praça. Em alguma altura da noite, duas meninas que eu jurava que estavam dando mole pros respectivos amigos se beijaram; os caras também eram um casal.

Na porta do bar, era gente fumada, gente sóbria, gente brigando, gente se pegando, crianças trabalhando, um homem passando com uma mochila de motoboy vendendo pizza e avisando que aceita cartão. Emocionei vendo mulher gorda de cropped, magrela de side boob, ninguém assediando. Ao lado do evento de rap, uns caras mandavam ver em "Cheia de Manias". Precisei parar para dar uma sambadinha entre as mesas, inclusive porque ali a cerveja era mais barata. Um pouco mais adiante, na praça, o funk comia solto.

Tudo muito bom até eu ficar com fome e pagar uma pequena fortuna em um bolovo gourmet. Ninguém além da fome me obrigou (e estava bom), mas foi justamente a essa altura que entrei num vórtice de problematizações. Será que esse espaço tão democrático promove, além do convívio entre turmas improváveis, uma gentrificação que vai empurrar os mais fracos para longe em pouco tempo? Será que ameniza o apartheid natural de São Paulo ou, já, já, ninguém que não seja playboy vai conseguir pagar um goró por ali? Um cara engomadíssimo estava cantando "O Rap é Compromisso" em coro comigo. Por que caralhos afundei nesse mar de problematização se eu mesma sou uma provável apropriadora cultural quando amo Sabotage?

Ainda não cheguei a nenhuma conclusão sobre essas perguntas, mas, pelo menos, no Largo da Batata eu sou só mais uma, como todo mundo deveria ser — e  isso sim pareceu utópico.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.