Topo

Luiza Sahd

O que acontece com os problemas quando nos afastamos deles?

Luiza Sahd

09/02/2018 05h00

Acima, temos a imagem do adulto médio lidando com seus problemas cotidianos (Foto: iStock)

 

Quando era criança, eu não via a hora de ser adulta. Para começar, nem de criança eu gostava: elas estragavam os brinquedos, choravam, tinham brincadeiras que me irritavam. Fui uma daquelas crianças precoces que hoje me causam um misto de pena e pavor. Durante a infância, meu negócio era ficar de butuca em papo de adulto. Eu acreditava de verdade que eles sabiam o que estavam fazendo e que esse dia também chegaria para mim.

Vinte e muitos anos depois, me sinto meio sacaneada ao notar que provavelmente nem meus pais, nem os professores da escola, nem meus avós jamais souberam realmente o que estavam fazendo. Eles só precisavam aparentar segurança para que eu me sentisse segura também. Funcionou… mas, tadinhos. É difícil lidar com problemas sem o privilégio de apenas sentar e chorar até sair ranho do nariz e ficar lambendo. Enfim, são coisas que descobrimos meio tarde demais. Talvez alguém devesse revelar isso para as crianças com aquela notícia sobre o Papai Noel.

Dos 12 meses do ano, passo 11 longe de casa. Com isso, é óbvio que me afasto fisicamente de um caminhão de problemas, fora a parte maravilhosa das coisas todas. Quando chego a São Paulo, tudo parece meio poético: nosso sotaque tosco, a comida, a umidade do ar deixando meu cabelo lambido enrolado, as coxas grossas assadas por causa da mesma umidade, a euforia dos reencontros e a tentativa vã de explicar tudo o que me aconteceu em um ano. Nunca consigo e acabo resumindo o papo em novos abraços, que dizem mais do que eu poderia com palavras.

Depois, é hora de lidar com os problemas de adulto. Durante os 11 meses longe, eles estiveram pairando em algum lugar longe das minhas mãos, mas perfeitamente intactos. Estavam presentes virtualmente, mas é tão diferente ver o problema ao vivo, a um palmo do nariz!

Em outubro, perdi um tio muito querido e estou sentindo o peso real da ausência com quatro meses de atraso. Em dezembro, foi-se também minha cachorra honorária, a Maria, que não estava aqui para abanar o rabo e grunhir quando larguei minhas malas e me joguei no chão da sala em São Paulo. As ausências às vezes são tão palpáveis quanto as presenças.

Quando a gente se afasta, os problemas não diluem: ficam intactos, guardados em algum lugar misterioso, esperando que você se aproxime para realmente tateá-los. É fundamental e inevitável ter de pegar as dores com as próprias mãos e dar um destino para elas.

Como todo adulto de qualquer idade, ainda não descobri quase nada sobre a vida, mas já tenho uma intuição sobre manter distância do que é difícil: tudo espera quando você se afasta. É mentira que você perde algo que importa quando mora longe; o que acontece é que a vida vira só uma fase mais difícil do tetris de encaixes de emoções de perto e de longe, mas todas precisam caber dentro de você.

Quando não couberem, talvez seja hora de visitá-las pessoalmente.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.