O que aprendi com o amigo que tem fobia de potes e garrafas de plástico
Essa não é uma história de luta e muito menos de superação, mas pelo menos é intrigante e verídica. O nome do personagem principal será protegido para evitar (mais) bullying, então digamos que, essa semana, recebi meu amigo "Vinicius" por uns dias no sofá de casa.
Ele é um querido e tudo ia bem até o dia em que fizemos uma refeição coletiva. Cozinhei um purê de batatas e bistecas. Ele, aspargos salteados. Sentamos para comer e minha roomie notou que os aspargos estavam sem sal, bem no momento em que Vinicius estava na cozinha.
O diálogo a seguir poderia ter sido escrito por Darren Aronofsky, mas dou fé que aconteceu.
— Vinícius, traz o sal para a sala? Tá no armário da cozinha.
Silêncio. Vinicius volta da cozinha de mãos abanando.
— Não achou o sal?
— Achei.
— E por que não trouxe?
— Porque está num tapauer.
— … ?¿?
— Tenho aversão extrema a tapaueres. Não toco neles em hipótese alguma. Tem mais sal em algum outro recipiente?
Primeiro, achei que era zoeira. Depois de verificar se a bebida estava batizada e comprovar umas sete vezes que o papo do tapauer não era caô, fui buscar o sal com minhas próprias mãos e voltei para sondar o coitado do Vinicius sobre essa mania intrigante.
Fiz bem? Fiz mal, porque ele contou que a mesma aversão acontecia em relação a garrafas plásticas pequenas: meu amigo não tem nada contra beber um refri da embalagem de 2 litros, mas aquelas garrafinhas de 500 ml provocam um asco profundo e inexplicável nele. Olhei para o lado e vi que havia uma delas na mesa em que estávamos comendo.
Entre gargalhadas e perguntas provavelmente incômodas para Vinicius (mas divertidas demais pra quem não sente nada disso), fizemos uma reflexão sobre ter manias esquisitas. Lembrei que sinto uma vontade inexplicável de me atirar pela janela quando as pessoas passam as unhas em determinados tecidos sintéticos, como o do sofá aqui de casa. Também tive pavor de Papai Noel por anos; minha roomie confessou ser incapaz de tocar em fios de cabelos molhados. Deve ter mais coisa se pensarmos bem, e nenhuma delas faz sentido.
Obviamente, começamos a procurar casos semelhantes ao de Vinicius no Google, e achamos um pequeno inventário de neuroses curiosas, como essas compiladas pela Mundo Estranho:
Bromidrofobia – Medo de odores do corpo
Deipnofobia – Medo de jantar em família ou com amigos
Eisoptrofobia – Medo de espelhos e de se olhar no espelho
Hipopotomonstrosesquipedaliofobia – Medo de palavras grandes
Onfalofobia – Medo de umbigos
Filemafobia – Medo de beijar
Caligenefobia – Medo de mulheres bonitas
(…) e por aí vai.
Encontramos as fobias mais surreais — que vão da aversão a dinheiro até o horror a vegetais, mas nenhum rastro de sintomas parecidos com tapaueres ou garrafinhas plásticas. Vinicius me corrigiu e disse que o que ele sente não é medo, mas muito nojo. Perguntei que nome ele daria a essa sensação se não é uma "fobia". A resposta dele foi: "bom senso".
Claramente, não dá pra manter uma conversa séria nesses termos.
No fim das contas, sabe o que aprendi com tudo isso? Absolutamente nada. Mas acho que estamos muito perto de incluir um novo item para o catálogo de transtornos mentais conhecidos até hoje. Acredito de coração que Vinicius merece o reconhecimento — não só por ter nos aguentado todos esses dias falando sobre isso (além de ameaçar cercar o sofá onde ele dorme de garrafinhas), mas também por ter que conviver com objetos e perguntas incômodas desde pequeno, tentando manter a cabeça erguida.
Em algum momento compreendido entre 185 a.C e 159 a.C, o poeta e dramaturgo romano Terêncio disse o seguinte: "Nada do que é humano me é estranho". Aham. É que, na época dele, ainda não tinham inventado o plástico. Desculpa, "Vinicius"!
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