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Luiza Sahd

O Natal de quem mora longe não precisa ser triste

Luiza Sahd

22/12/2017 08h00

Somos todos Macaulay Culkin (Foto: Divulgação)

 

Quando resolvi morar a 8 mil quilômetros da minha cidade, não contava com algumas surpresas. A primeira e talvez mais importante delas foi não contar que sentiria saudades da minha cidade.

Assim que a euforia da mudança termina, a coisa mais clichê que você pode fazer quando vai morar longe é ficar ouvindo "Back in Bahia" do Gilberto Gil. Na hora em que ele canta "Hoje eu me sinto como se ter ido fosse necessário para voltar", dá até arrepio de perceber como a gente tem mais facilidade de amar o que perdeu.

A mesma coisa aconteceu com o Natal, mas foram necessários três anos sem ele. Que eu tenha memória, a última vez em que me entusiasmei muito com o Natal foi em 1994, quando ainda ganhava brinquedos. Gostaria de dizer que foi por algum motivo mais nobre, mas não foi.

Nesse caso, de todas as maneiras, não posso me dizer uma especialista em espírito natalino. Nos anos subsequentes a 1994, a empolgação foi se desfazendo sem que eu me desse conta. Deve acontecer com a maioria das pessoas maiores de dez anos. Depois, minha grande preocupação, mesmo, passou a ser abraçar o peru (o de Natal).

Como a gente sabe, o Natal deixa as pessoas meio loucas, sensíveis. Em teoria, passar as festas afastada de conhecidos poderia ser até um alívio das pressões sociais nessa época do ano. Poderia. Mas como Gilberto Gil, me dei conta de que hoje eu me sinto como se passar o Natal longe fosse necessário para voltar.

Ver as pessoas do entorno aqui reclamando de ter que lidar com os clichês da ceia familiar fez com que eu sentisse uma saudade doída dos clichês das minhas ceias. Sabe Deus o que eu não daria para ter criançada correndo, discordância política ou responder dez vezes sobre "os namoradinho" no dia 24. Aos 47 do segundo tempo, hoje, senti o espírito natalino.

Pela primeira vez em 32 anos de vida, decidi  me dar um Natal digno de campanha publicitária: não posso abraçar ninguém fisicamente, mas ainda posso fazer algo simbólico. Em vez de chorar de saudades do peru, passarei os próximos dias escrevendo mensagens sinceras de agradecimento a todas as pessoas que tornaram meu ano possível ou, pelo menos, factível. E são muitas! (até então, não havia me dado conta).

Se você pensar realmente em todo mundo que te deu a mão ultimamente e se dedicar a falar com cada uma dessas pessoas, pode ser uma correria maior do que preparar ceia sozinha. Perceber isso pode acabar sendo uma das coisas mais felizes do ano. Aliás, um ano realmente só acaba quando termina — já diriam os entusiastas de retrospectivas.

Se você vai passar o Natal perto da sua família, é uma dupla boa notícia: poderá curtir o pacote completo do Natal de propaganda de TV (ou talvez ainda precise de um tempo longe para realmente se animar a fazer isso, tudo bem); se vai passar longe, ainda assim é uma boa notícia: sentir gratidão salva qualquer ceia, mesmo que seja uma ceia de pizza congelada.

Seja qual for a sua situação, respire. Faltam só três dias para a gente ter férias de Natal por mais um ano.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.