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Luiza Sahd

Furar compromissos virou parte da sua rotina? Pense nisso

Luiza Sahd

23/11/2017 08h00

Em caso de emergência, máscaras de oxigênio não cairão sobre nossas cabeças, infelizmente. (Foto: reprodução/ Reddit)

 

Ultimamente, nosso compromisso com o descompromisso tem estado acima de qualquer outra prioridade no circo que podemos chamar simplesmente "dinâmica social". Chuto que seja até uma mecanismo de segurança para viver bem (ou minimamente sobreviver) com nossas agendas e consciências tranquilas quando, a cada dia, se apresentam 92832 possibilidades sobre o que fazer da vida — e especialmente porque o que adoraríamos, mesmo, seria ter direito a não fazer nada. Ou fazer um monte de nadas com mais frequência.

Estava eu justamente planejando quais desculpas usar essa semana para dissimular que sou péssima amiga de todo mundo pra quem mandei o famoso "vamo marcá" (sic) quando recebi, de uma boa amiga de verdade, este artigo do David Brooks, publicado em julho pelo New York Times.

O papel de todo bom amigo é, além de relevar nossas leviandades, esfregá-las na nossa cara com bastante amor. Foi o caso.

No texto, Brooks levanta um monte de hipóteses para explicar nosso costume já meio patológico (e até socialmente aceito) de dar cano em tudo o tempo todo quando o lógico seria fazer uma análise realista sobre o que podemos prometer aos outros. Pessoalmente, fico com a combinação de três fatores perfeitos para destruir nossas relações sociais:

–  A gente tem tratado qualquer coisa ou pessoa na vida com a mesma banalidade com que manuseamos aplicativos no celular. Cancelar um jantar por Whatsapp dá o mesmo trabalho que cancelar uma corrida de Uber. Bônus: não tem multa;

– Andamos exaustos, fazendo cinco coisas ao mesmo tempo sem pensar muito sobre elas. Na segunda-feira, marcar uma cerveja para quinta-feira pode parecer uma excelente ideia. Na quinta-feira, a gente só reza para o pessoal desmarcar antes;

– A gente não sabe o que quer. E não tem procurado saber. Vamos fazendo as coisas para pensar sobre elas depois e, na realidade, meio que nunca chega esse depois. Nesse caso, quem se chateia? Quem realmente contava com o nosso comprometimento.

É bem doida a falsa impressão de que as pessoas com quem interagimos estão dentro dos nossos celulares. E beira o ridículo propor que paremos um pouco para nos convencer de que elas não estão, mas não temos o saudável costume de pausar a vida para fazer essa abstração. Assim, vamos sendo tragados para tipos de relação que, convenhamos, são quase-relações.

Temos vivido no "quase" em praticamente tudo. Vamos furando, uma hora a gente combina mesmo.

Se você é um furão compulsivo e não sabe mais o que fazer para limpar a barra com as pessoas queridas, pode pensar sobre essas questões. Caso nada funcione, você também pode simplesmente enviar esse texto a elas, que quase serve como justificativa.

Fazer o quê?

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.