Topo

Luiza Sahd

São Paulo: ruim morando nela, pior longe dela

Luiza Sahd

27/10/2017 08h00

Todo paulistano é meio Boça, meio tonto. Tá na hora de admitir. (Foto: reprodução/ MTV)

 

Faz nove meses que não vou a São Paulo. Quando fui, fiquei três semanas e, na última, já me perguntava por que não fiquei só duas. São Paulo dificulta a respiração (real e figurativamente), mas isso aí o cigarro também faz e continuo fumando.

Como paulistana, tenho certeza de que é a pior melhor cidade para se sentir só. Quem nunca cruzou a Consolação, ali frente do Riviera, sem se achar um nada no mundo, espremido entre tanto carro, prédio e gente, não sabe nada sobre a tal liberdade do "anonimato na multidão". Quem não reparou nos loucos dançando pelas calçadas da Avenida Paulista sem suspeitar que acabaria fazendo o mesmo não manja de "neurose". Quem nunca encontrava algum conhecido naquela confusão, TODA VEZ, também não entende de "milagres".

Aliás, São Paulo te ensina a operar pequenos milagres diariamente:

– Viver num cenário perfeito para filme de futuro distópico e achar normal;

– Sobreviver por anos onde o contato mais intenso com a natureza é caminhar na feira
por entre hortaliças (durante a xepa é melhor porque já tem folhinhas no chão);

– Chegar em casa lúcido depois de trabalhar por 10 horas;

– Chegar em casa, de modo geral;

– Ter coragem de sair de novamente no dia seguinte;

– Aguentar pensar tanto em dinheiro;

– Fazê-lo durar até o fim do mês;

– Repetir esse feito por 12 meses;

– Conhecer todo mundo sendo íntimo de quase ninguém;

– Escapar de assalto porque você viu o assaltante antes;

– Não escapar do assalto mas comprar telefone caro de novo porque sei lá, faz parte do pacote SP;

– Ser misteriosamente feliz, mesmo assim.

 

Falando em felicidade, como entusiasta de choro em transporte público, arrisco dizer que São Paulo é imbatível para isso porque o caos e as paisagens favorecem demais o choro. Sempre está garoando e o pessoal não abre as janelas, fica tudo abafado e fedido igual o nosso coração quando estamos tristes.

A capital também tem uma versão 24h do que a gente quiser, que combina tanto com a nossa insônia. Tem centenas de atrações na Virada Cultural, mas era mentira que daria para voltar para casa de metrô. Tem que ralar. O tempo todo.

O que sobra na gente, disso tudo, é uma carcaça duríssima que só os paulistanos — por nascença ou adoção — têm. "A pessoa que triunfa em São Paulo consegue enfiar a vida no bolso em qualquer lugar", pensei em algum momento. Fiz minhas malas, vim-me embora.

Infelizmente, não era verdade. Os paulistanos têm superpoderes que só funcionam em São Paulo. Fora dela, nossa potência é tão desproporcional que tenho a sensação constante de estar tentando matar moscas usando bazucas. Incrível como cada cidade tem uma alma e você arrasta o encosto da sua por onde quer que caminhe. Fazendo as coisas no meu ritmo, fora de São Paulo, fico parecendo uma desvairada em fast forward quando era para estar em slow motion. A parte de ser desvairada não deixa de ser verdade, mas, na minha terra, não pega mal.

Lembro de xingar um amigo da faculdade por repetir constantemente que eu era a coisa mais paulistana que ele já tinha visto. Penso no colega de trabalho professando que, aos 50, eu certamente seria uma tia meio Rita Lee (essa sim, a alma mais SP que existe). Verdade ou não, sigo amando e amaldiçoando São Paulo como ela faz com os paulistanos. É Síndrome de Estocolmo que chama, né? São Paulo é feia, mas é minha; tenho certeza que ela pensa o mesmo quando me vê voltando de rabinho entre as pernas, cheia de amor para dar.

Quase três anos depois de mandar uma banana para a minha cidade, já virou rotina o momento da semana em que reviro os olhos parafraseando Drummond: "São Paulo é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!".

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.