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Luiza Sahd

O Tamagotchi foi relançado. Nosso vício no celular tem algo a ver com ele?

Luiza Sahd

23/10/2017 08h00

 

O primeiro vício virtual a gente nunca esquece. (Foto: Divulgação/Bandai)

Uma notícia inesperada apertou meu coração na última semana. A Bandai, fabricante dos Tamagotchis — conhecidos como "bichinhos virtuais" nos anos 90 — vai relançar o produto que enlouqueceu tudo quanto era criança viva em 1997. São muitas emoções misturadas. Vamos tentar esmiuçá-las?

Antes de mais nada, o primeiro tapa na cara que essa notícia nos dá é de que se passaram 20 anos desde o lançamento dos Tamagotchis. Ganhei mais umas oito rugas só com esse pensamento. OK.

Quem também ganhou rugas na ocasião do lançamento deste brinquedinho inocente foram os pais dos felizes portadores de Tamagotchis. Apesar de parecer uma excelente alternativa aos animais de estimação reais (não mijavam no tapete, não comiam comida física, não latiam nem ocupavam espaço) os bichos virtuais deram um bocado de nós em nossas mentes.

Primeiro que, se não me falha a memória, isso aí custava pelo menos uns R$ 50… na época em que se fazia muita coisa (mesmo) com R$ 50. Agora, com a clareza de pensamento que só o tempo e as faturas vencidas nos proporciona, lamento pela crueldade do capitalismo e gostaria de aproveitar o espaço para mandar um beijo no coração da minha madrasta, que me agraciou com um bichinho virtual.

O que aconteceu depois foi o seguinte: passei a viver grudada com um gadget pela primeira vez na vida. Ele apitava logo cedo para comer, brincar ou porque estava doente. Alguns dos meus bichinhos virtuais cresciam, mas a maioria morria porque eu cedia à chantagem de alimentá-los apenas com pizza, hambúrgueres ou sorvetes. Talvez não por acaso, minha alimentação, até hoje, não seja muito diferente disso e minha saúde não seja lá essas coisas. Vivendo e nem sempre aprendendo.

Quando a gente alimentava um Tamagotchi com cenoura ou frutas, ele ficava muito bravo e a barrinha de felicidade diminuía. Isso nos obrigava a jogar umas 20 partidas de jo ken pô com o bicho para ele voltar a sorrir. Primeira lição aprendida: chantagem emocional funciona mesmo!

A segunda lição aprendida só chegou agora: talvez a nossa geração já estivesse predestinada a viver hipnotizada por eletrônicos. Sinceramente, não vejo muita diferença entre meus contemporâneos de hoje em um vagão de metrô — quase todos com os olhos grudados no celular durante toda a viagem — e meus contemporâneos no recreio da escola quando surgiu o bichinho virtual, o GameBoy e o Tetris de camelô.

Em 1997, lembro também do meu pai imitando o apitinho do Tamagotchi quando queria minha atenção, porque desde que ganhei esse presente, deixei de ter olhos para todo o resto. Coincidência com a sua mãe reclamando que você não sai desse celular?

 

Não sei. Mas desconfio que os Tamagotchis tenham sido nossos primeiros smartphones e sinto um pouco de medo do que quer que nos faça sentir nostalgia daqui a 20 anos, porque esse celular na minha mão já parece implante cirúrgico.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.