Topo

Luiza Sahd

Não seja como São Tomé: 'só acredito vendo' é a pior filosofia de vida

Luiza Sahd

28/09/2017 08h00

Olha lá o São Tomé, abusado, enfiando o dedo nas feridas de Cristo. (Foto: Reprodução/ Natgeo)

 

Para quem não é muito íntimo dos santos, São Tomé foi um dos 12 apóstolos de Cristo. Se existisse o teste "Qual dos 12 apóstolos é você?", eu tiraria São Tomé, porque ele foi o abusado que disse que só acreditaria na ressurreição de Jesus se pudesse ver e tocar as chagas da crucificação. Daí, nasceu o "ver para crer".

Jesus até deixou São Tomé enfiar o dedinho nas feridas, mas também mandou um shade: "Tomé, porque me viste, acreditaste? Bem-aventurados os que não viram e creram". Tô com Jesus nessa como em poucas coisas tô com Jesus.

Gente que "só acredita vendo" sempre vê coisa demais e coisa que não precisava. Poderia passar sem vários desgostos, mas quer o quê? Quer ver. "Vamos ver se a festa está boa" (volta engatinhando e falido para casa em uma quarta-feira); "Deixa eu ver se essa comida azedou mesmo" (famosas últimas palavras antes de morrer); "Tô vendo aqui se o fulano que nunca fala comigo tá nem aí pra mim ou só tá sem graça de me abordar" (o fulano te odeia); "Vou ver com o meu chefe se posso tirar férias em fevereiro" (demitido).

Na primeira vez em que brinquei de São Tomé, tinha 8 anos e queria entender como funcionava uma cafeteira elétrica. Em 1993, ainda não existia Google e não sinto vergonha de ter sacrificado meu corpo em nome da ciência: usando as próprias mãos, fui tateando a máquina para descobrir de onde vinha o calor que esquentava o café, até finalmente chegar à conclusão do experimento quando a palma da mão direita fez *tshhh* e grudou na base da cafeteira.

Discordando um pouco de Jesus mas ainda com fé de que serei salva no Juízo Final, suspeito que o problema das pessoas meio São Tomé não seja a falta de confiança, mas o excesso dela. Esse pessoal que tem o costume de pagar para ver tudo acredita demais na vida. Só paga para ver porque sempre tem certeza de que vai ver algo bonito, que as coisas dão certo, que nada ou ninguém é tão nocivo e tal.

A gente acha que tá vendo para crer porque é a atitude mais cética e prudente, quando, na prática, o que acontece é isso aqui:

Ainda nessa esfera de religiosidade e vida com adrenalina, outro ditado perigosíssimo é o "Quem não morre não vê Deus".

Cara, bem-aventurados os que não viram e creram.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.