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Luiza Sahd

Pessoas difíceis são como Merthiolate para o coração

Luiza Sahd

26/09/2017 08h00

Preferiríamos mil vezes a "ferida que dói e não se sente" do Camões, sinceramente. (Foto: Etsy)

 

Circula por aí a teoria de que esta geração começou a desandar quando o Merthiolate parou de arder. Se desandou, melhor não cravar. Mas certamente esse pessoal perdeu a excelente oportunidade de aprender como basta que algo arda muito pra gente esquecer do que tava "só" doendo.

Adoro a expressão "ardido" em espanhol. Ela é aplicável quando um fulano fica "ardido" de rancor, ressentimento, ciúmes… De recalque, enfim. Quase tudo o que arde é porque tava ali aberto, daí alguém cutuca bem onde não podia (ou esse alguém te ataca com uma tocha. Quando alguém te ataca com uma tocha, não era culpa sua, não. Menos mau que aconteça com pouca frequência).

Foto: Google Tradutor

 

Carrego minhas feridas por aí como qualquer pessoa, rezando para que ninguém encoste onde não pode, sem querer. Entre elas, um bom exemplo é a paciência. Você divide um dilema com alguém e a pessoa recomenda o quê? "Não, porque você tem que ter paciência e não sei o que não sei o que lá".

Meu querido(a), se eu tivesse paciência, nem problema eu tinha. Você já viu alguém que tem paciência se incomodar realmente com alguma coisa? Gente paciente é tão sacana que nem revela de onde se tira paciência, se tem que comprar no mercado negro, se foi roubada de alguém, se dá pra cultivar em casa. Gente paciente fica lá sentindo paz interior e a gente que se dane.

Essas pessoas difíceis são como Merthiolate para o coração. Apontam exatamente onde você tá doentinho, sublinham como isso é um problema seu, te ajudam um pouco na cura mas não resolvem tudo. Obrigada, mas: credo, como arde.

Peço perdão pelo telefone sem fio e a carência de fontes, mas alguém muito esperto disse que nossos piores inimigos são nossos melhores mestres. Me repassaram essa informação enquanto eu fazia planos de assassinar uma colega de trabalho passivo-agressiva que não sinalizava o que esperava de mim nem se eu implorasse. Aos agentes da lei que possam eventualmente ler esse texto, quero esclarecer que não levei o plano a cabo porque me dei conta de que ela estava me ensinando coisas importantes e consegui até sentir alguma gratidão por essa chance. Pronto, pode me canonizar agora, avisa lá o papa Francisco.

Evoluir é legal, mas ficar de boa é muito melhor. Então, seria perfeito se a gente aprendesse sobre inimigos-mestres de uma vez só e isso servisse para todas as outras vezes em que alguém chega disfarçado de pessoa e age como Merthiolate. Pena que cada ferida é uma ferida, um ardor é um ardor e um pente é um pente. Desculpe pelo pente.

Comentando sobre isso com uma amiga, ela ressaltou que pessoas são pessoas, não remédios para as outras. Que violência! Essa aí eu chamei de Merthiolate-Surpresa.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.