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Luiza Sahd

O que acontece num show do Maluma — e por que precisamos ter ídolos

Luiza Sahd

22/09/2017 08h00

Um ídolo que já fez feat com Shakira: não tem como dar errado. (Foto: Divulgação)

 

Faz tempo que venho pensando sobre a importância de ter ídolos. Outro dia, quase escrevi aqui sobre como eles nos salvam de nós mesmos, porque podemos inventar que ídolos são heróis, que eles nos fazem lembrar das coisas que gostamos e tudo isso aí. Tá num dia ruim? Pega uma música do Clube da Esquina para ajudar na catarse. O trabalho te engoliu? Lê aquela coletânea de realismo fantástico e permita-se raciocinar de uma forma menos linear. E por aí vai.

Mas faltava uma peça nesse quebra-cabeça. Só achei ontem, ao me dar uma noite típica de quem tem 16 anos… aos 32.

Já comentei aqui que sou fã do cantor Maluma e não estou 100% confortável com isso. Há quase um ano, tento muito, mas muito mesmo, emplacar uma entrevista "Objetificando Maluma" para ver como o sex symbol se sai sendo tratado da mesma forma que trata as mulheres em algumas letras. A assessoria dele nunca autorizou essa conversa, ainda que eu ache que ele se sairia muito bem, porque se tem uma coisa que o Maluma é, essa coisa é sangue bom.

Aparentemente, a gravadora não gostou dessa ideia de objetificar o objetificador, mas me permitiu fazer a cobertura do show dele em Madrid, ontem. E lá fui eu sem faixa de glitter na testa, agindo naturalmente.

Fã que é fã se lasca pelo ídolo.

Para essa experiência, entrei tanto no personagem que o universo conspirou e, lá chegando, meu nome não constava na lista de imprensa. Aqui, faço uma pausa especial para mandar um beijo à Juliana (você sabe que é você, Juliana!) que esqueceu de avisar a organização sobre minha ida e, enfim, fiquei na mesma posição da molecada chorando ingresso que sobrasse no guichê.

Como um milagre desses que só acontece com fãs muito fanáticos, um organizador olha para a minha cara e oferece um ingresso de pista sobressalente. Entro correndo, fiozinho de suor deitando na testa, despenco pelas escadas intermináveis e tento me posicionar em algum lugar razoável para fazer foto, resenhar o show, ser jornalista, né. Em alguns momentos, eu lembrava que sou isso, mas daí alguma fã me ameaçava de morte por chegar depois e tentar me meter mais perto do palco e me fazia lembrar que eu era só aquilo ali mesmo: mais uma doida gritando enquanto o cara cantava e dançava.

Lá pela quinta música, sou avisada pela substituta da Juliana (obrigada, Mariana!) que o problema da credencial havia sido resolvido, mas eu precisaria sair para pegar o ingresso. No maior esquema Charlinho indo à escola, espero uma música mais tranquila e corro como se fosse de assalto para ir e voltar sem perder "La Bicicleta", "Chantaje" ou "Felices los 4". Seria tipo ir ao show do Roberto Carlos e perder a hora em que ele canta "Detalhes".

Me posiciono melhor, volto a tentar "trabalhar" e Maluma chama uma moça ao palco.

— Como você se chama, linda? Vou fazer uma serenata para você.

— María.

— María, você tem namorado?

— Tenho.

— Puxa, que pena.

A Maria apareceu no telão diante de milhares de pessoas que dariam um braço para estar ali e sabe o que o Maluma fez? Devolveu a María para a pista. Passei uns cinco minutos repensando meu conceito de "passar vergonha". Se eu sou a María, quebro uma guitarra no caminho "sem querer". Mas, cada um, cada qual.

Sobe outra moça, muito mais nervosa. Responde correndo que não tem namorado. Treme perigosamente, de modo que sigo preocupada com a saúde dela. Termina a música e ganha um beijo. De língua. Fiquei enciumada. Todas ficamos. Era tudo gente sem discernimento ali.

Maluma ganha disco de platina no palco. Um momento bem "VOCÊ ESTÁ NO ARQUIVO CONFIDENCIAL"; Maluma pede que acendamos os flashes de celular para o ginásio ficar todo iluminado. Um pessoal acata, outro aproveita para filmar. Eu realmente queria apoiar, mas precisei economizar bateria para fazer esta cobertura seríssima no Instagram Stories. Aliás, não havia ninguém ali que não estivesse fazendo Stories, incluindo o próprio Maluma.

Torço um pé, sei lá como. "Tenho mais idade pra isso não", penso. Toca "La Bicicleta": comoção. Toca "Chataje": êxtase. Toca "Felices los 4": cogitei chamar o SAMU.

Tenho idade pra isso, sim. Que bom é ter ídolos. Eles ficam com a responsabilidade de serem perfeitos e, a gente, com a liberdade de ser um pouco ridículo por umas horas.

No mais, sigo aguardando uma oportunidade de objetificar Maluma. Chumbo trocado não dói.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.