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Luiza Sahd

Pare de romantizar caras bonzinhos. Eles não fazem mais do que a obrigação

Luiza Sahd

05/09/2017 08h00

"500 Dias com Ela" (foto: Divulgação)

 

Se você assistiu a "500 Dias com Ela" ("500 Days of Summer"), é possível que, até hoje, sinta vontade de chorar por pena só de lembrar da lata do Tom Hansen, protagonista vivido por Joseph Gordon-Levitt. A própria escolha do ator é brilhante, porque é o típico cara bonzinho mesmo: ele não tem aquela beleza estonteante que confere o direito de ser um cuzão com as gatas impunemente, então ele é outras mil coisas boas pra compensar.

As pessoas são meio assim, espero que você saiba. Puxa aí pela memória quem são os seus conhecidos mais atraentes e quantos deles se portam como típicos nice guys. Tá. Agora conta aí pra gente se você acha mesmo que os bonzinhos-que-dão-pro-gasto não desenvolvem esse "superpoder" para compensar o que "falta" no caso de uma sociedade tão obcecada pela estética como é a nossa. Até aqui, nada contra. As pessoas fazem o que podem para se dar bem e algumas nascem com menos trabalho pela frente.

Se você não assistiu o filme, não faz mal, te conto meio por cima. Mas assista com sete pedras na mão e cuidado para não gastá-las com o personagem errado.

Tom é um cara nerd, bonitinho, tímido, interessante e com pouco apelo sexual. Ele tava naquela vida bem mais ou menos até o dia em que uma colega da firma flerta com ele no elevador, trazendo alguma adrenalina para a história. Essa aí é a Summer (Zooey Deschanel). O que dizer da Summer? A mina pegaria quem ela quisesse, porque ela tem uma beleza óbvia, é inteligente, cool, tem humor ácido e não tá desesperada atrás de ninguém. Ela é bem consciente do próprio capital erótico e, ainda assim, passa 290 dias enrolada com o Tom porque quer. Durante os outros dias retratados no filme para completar 500, é aguentar o Tom chorando as pitangas porque esta mulher (que declarou não acreditar em amor eterno antes mesmo de beijá-lo) resolveu que não tava nessas de continuar com o lance. Lembrando sempre que ambos eram adultos e não tinham disfunções cognitivas.

Filme vai, filme vem, até hoje jogam pedra e merda na Summer como se ela fosse uma Geni Hipster porque "noooossa, o Tom era um anjo". Legal para ele, mas desde quando ser um cara massa virou sacerdócio e não uma coisa que todos os caras deveriam ser? Todos, inclusive os bonitos. Todos nós, inclusive as mulheres também. Acontece que ser homem & legal é digno de nota.

 

O meme da Damires é lindo porque serve para tudo no mundo, inclusive para caras bonzinhos. (Foto: Reprodução)

 

Aqui: ser legal é ser legal, não deveria ser sacrifício. Outra coisa importante é que uma pessoa só é legal até o dia em que ela deixa de ser, porque (bum!) essa gente também comete erros. E o problema dos nice guys é que eles têm esses ares de budas, todo mundo paga o maior pauzão e coitado de quem apontar alguma coisa não tão legal neles, sabe por quê? Porque eles têm créditos de benevolência acumulados e, assim, quando fazem cagadas: coitadinhos.

Já vi nice guy sentar a mão em cara de namorada e ser perdoado porque, antes da covardia, foi um cara exemplar. Vi nice guy usar o mote "hahaha olha como eu sou trouxa" pra fazer autopromoção, inclusive expondo parceira. Bicho, se você é trouxa, sabe que é trouxa e continua sendo trouxa, ou tu é muito burro ou tá querendo tirar alguma vantagem disso. Assuma, não se faça de… trouxa. Já vi nice guy largar amiga na mão do palhaço em hospital porque ela não queria nada com ele. Teve um que foi adúltero se enrolando com uma funcionária, demitiu a moça e vive pregando sobre feminismo. Olha, é cada nice guy pipocando por aí que quase dá saudade dos bons e velhos bad boys. Pelo menos, não são dissimulados.

E quando uma mulher que não é precedida pela reputação de santa termina com um cara assim, Nossa Senhora. Piranha, louca ou, para dizer o mínimo, má pessoa. Aliás, ai dela se aparentar felicidade longe do nice guy.

Uma coisa que eu diria para todos esses caras se não tivesse tanta preguiça, seria: quer ser legal? Apenas seja. Todos os dias ou sempre que possível, porque a gente falha mesmo. Mas tira essa capa aí de super-herói, porque se você pisar no tomate antes de morrer, aí fica muito claro que era embuste.

Apesar de ninguém ter perguntado, eu também adoraria opinar para as vítimas contumazes de nice guys. Se você incensa esse tipo de cara, está fazendo um enorme desfavor para si e para todas as mulheres, de quem se espera doçura como item de fábrica, não como um traço de personalidade excepcional.

Nice guy é meu pau (imaginário) de óculos com armação de acrílico. Todo mundo só quer ser admirado e tirar vantagem disso.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.