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Luiza Sahd

Instagram Stories é a janela indiscreta que a gente mesmo escancarou

Luiza Sahd

28/08/2017 08h00

O dedinho de clicar nas histórias chega a tremer (Foto: Reprodução)

 

Quando George Orwell descreveu a sociedade do Grande Irmão em seu "1984", supunha que chegaríamos ao ponto de viver sob constante vigilância do Estado por meio de câmeras, tendo nossa vida devassada por autoridades a seu bel prazer.

Ele não errou. Mas ele também não previu que a gente ia amar esse negócio aí de ter a vida devassada.

Quando o "Big Brother Brasil" estreou nos anos 2000, ficamos fascinados (pro bem e pro mal) com a ousadia dos participantes por submeterem suas intimidades para apreciação pública em troca de uma grana. Corta pra 2017: tamos fazendo isso aí de graça, por iniciativa própria. E como diria o colega Chico Barney, POR MIM, TUDO BEM.

A gente já tinha 98374 redes sociais para queimar o buço publicamente quando chegou o Snapchat. Era muita opção, mas faltava a alternativa de fazer isso em vídeo com filtros de cachorrinho no rosto, dentro das nossas casas, no quarto, na ducha, no rolê em que os amigos estão ébrios falando bosta. E a gente riu na cara do limite.

A coisa deu tão certo que o Instagram copiou a fórmula e, finalmente, demos um passo além na arte de sermos todos ex-BBBs eliminados na primeira semana. Enquanto no Snapchat a gente fazia caricatice só entre amigos jovens e igualmente despudorados, no Instagram Stories, nossas tias, ex-chefes e o professor do cursinho testemunham livremente toda essa intimidade.

Pessoalmente, tenho enorme desapego pela relevância da minha entre tantas vidas, o que me leva a compartilhar qualquer informação pessoal sem muita paranoia com o juízo de valor que farão dela. Falei mais sobre isso aqui. No fim das contas, a vida de todo mundo é mais ou menos igual de desinteressante com um ou outro highlight, e,  salvo aquilo que poderia causar traumas e complexos, vejo um lado bem bonito nas janelas indiscretas do Instagram Stories.

Indo além do marketing pessoal, é a coisa mais reconfortante do mundo assistir esses fragmentos de intimidade quando você mora longe, por exemplo. Essa semana, vendo uns Stories, me emocionei com a reunião de uma turma que amo demais. Depois, teve um colega filmando a típica xepa de feira que só tem no Brasil, com aquele ambiente que a gente só aprende a amar com loucura quando não vê mais, quando não sente o cheiro de pastel frito por meses e tal. Fiquei tocada também com o vídeo de uma conhecida filosofando sobre o frio de São Paulo com um vendedor de tapioca. Acima de tudo, me emocionei com a tapioca em si.

É uma grande estupidez acreditar que deixamos de viver plenamente os momentos quando nos ocupamos de, simultaneamente, registrá-los. Desde os primórdios da civilização a gente tem essa angústia de tentar materializar a memória, essa coisa que escapa pelos dedos de um dia para outro. Nenhuma arte existiria sem esse esforço de registro.

Tô dizendo que Instagram Stories é arte? Num tô. Mas também não é crime.

Aliás, o Instagram Stories tem só um aspecto que considero criminoso: ele mostra quem assistiu o que e isso sim faz o pessoal perder a cabeça, como ressalta o excelente artigo "Como o Stories do Instagram mudou o xaveco para sempre".

Desde que você não fique achando que o pessoal tá ali te assistindo porque te aprecia sinceramente (às vezes sim, mas geralmente é por tédio), dá para aproveitar demais o quentinho no coração que essa oportunidade de estar perto sem estar perto oferece.

Se exponham mais. Tá pouco de exposição. Ninguém além da sua mãe vai se importar com o que quer que esteja publicado ali por muito mais do que cinco minutos. Se perguntarem quem autorizou, fala que fui eu.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.