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Luiza Sahd

Não é fácil lidar com a felicidade

Luiza Sahd

18/08/2017 08h00

Que coisa horrível é lidar com a felicidade. Pior do que qualquer problemaço. Sério.

Ih, rapaz. Pintou uma felicidade-surpresa aqui. (Foto: Reprodução)

Se você tem tempo para ler esse tipo de conteúdo, provavelmente é alguém privilegiado em relação à média da população mundial, que, em sua esmagadora maioria, neste exato momento, está ocupada demais drenando leite de pedra para sobreviver e não tem tempo para conjecturar sobre essas bobajadas não.

Incrivelmente, tem lógica mesmo que essa multidão privada de tudo tenha mais talento para ser feliz do que eu ou você. São pessoas que não têm agenda para ter medo, pra começo de conversa. A pessoa tá lá, com tudo em volta desabando. Você acha que, quando uma felicidade chegar, ela vai ficar esmiuçando a situação? Bicho, essa pessoa abre o peito para o que vier. Ela vai comer a felicidade com farofa… e arrotar bem alto.

Ultimamente, fui pega de surpresa por um par de felicidades que me desgraçaram a cabeça como poucos problemas graves que já me pegaram de surpresa antes. Cogitei ligar para a minha mãe, chorando, porque não sei o que fazer nesses casos. Meu negócio é resolver bucha. Precisa muita bucha pra me derrubar. Agora, manda uma felicidade aí sem aviso prévio para ver se não dá um ERROR 404 NOT FOUND no meu cérebro.

Aconteceram felicidades e comecei a me comportar de maneira estranha. Um amigo me achou levemente descompensada. Falou para eu tomar cuidado com a felicidade, porque, depois, eu poderia ficar triste quando acabasse, né. O mais triste nesse diálogo foi constatar que, realmente, quando essa felicidade acabasse, eu voltaria para a minha zona de conforto, que é: reclamar de problemas que todo mundo tem e me sentir bem da esperta administrando o que qualquer pessoa minimamente funcional deveria saber administrar.

Me lembra muito a anedota de uma amiga que tava saindo com um cara opressivamente bonito e interessante. Sem saber o que fazer nesse tipo de situação, a felizarda ligou para uma colega um pouco mais apta à felicidade pedindo conselhos.

— Olha, é o seguinte: isso aí vai dar problema. Claramente esse cara não vai continuar comigo por muito tempo e eu não consigo nem agir naturalmente quando penso no panorama.

— Amiga, escuta: tô entrando numa reunião agora, mas, se estiver muito duro para ti, passa meu telefone para esse teu problema aí. Adoro resolver esse tipo de problema e nunca tenho oportunidade.

Que bonito é saber resolver felicidade, né? Quando alguém me convida para algum tipo de situação feliz, minha sensação é a de que, apesar de merecê-la, tenho nem roupa pra isso. Vou nem saber usar os talheres na mesa onde a felicidade está presente. Vou gaguejar para falar com a felicidade ou virar o pé sem querer e cair no meio da rua justamente quando estiver de mãos dadas com ela.

Veja bem: não é que eu não tenha tido uma profusão de felicidades e privilégios ao longo da vida. Eu só não sei, até hoje, ficar confortável na presença dela ou como tratá-la. Se chamo de você, se chamo de senhora ou se chamo uma ambulância.

Aí, chega um abacaxi para descascar e eu "Ooooopa, meu amigo! Senta aí, quer uma cerveja?". Ufa, que alívio, um probleminha para relaxar!

Alguém intimo da felicidade conseguiria me enviar algum conselho? Ela gosta mais de praia ou montanha? Beyoncé ou Rihanna? Massa ou churrasco?

O pedido é sincero e agradeço desde já.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.