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Luiza Sahd

Todo dia um "peguei anão no colo achando que era criança" diferente

Luiza Sahd

13/07/2017 16h36

Fazia um bonito fim de tarde na praia de Camburi (SP) em fevereiro de 1999. Eu e minha melhor amiga jogávamos frescobol à beira-mar. O pôr-do-sol era tão convidativo à pratica de esportes de verão que um senhor de meia-idade também corria pela praia com um sorriso despreocupado no rosto.

Como muitos já sabem e o matemático Edward Lorenz avisou em 1963, o bater de asas de uma simples borboleta sempre pode influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo. Foi meio isso o que aconteceu ali, 36 anos depois, quando pensei, na praia, "agora vou caprichar no saque!" ao mesmo tempo em que o homem pensou, na praia, "agora vou passar correndo por esse cantinho aqui". O sorriso do senhor que praticava jogging foi desmontado por uma bolada na cara com velocidade vertiginosa. Autora do crime: eu.

A tentativa de prestar socorro à vitima foi frustrada porque infelizmente tenho um problema congênito (herdado da minha mãe) de rir sem parar quando fico extremamente constrangida ou irritada.

— Senhor, mil desculpAHAHHAAHHAAHAHAH… O senhor se machucHAHAJAAJSSDFDFSHJDFSHJDSHJAHAHAH… Não foi minha intençJAAJASKJASFDJSFHJFSJHFHFGH

Aparentemente, a situação não tinha como piorar, mas piorou, porque minha amiga começou a rir do meu nervoso enquanto o homem tentava se orientar e ia ficando cada vez mais ofendido. Não existe gargalhada mais gostosa do que a da cumplicidade com melhores amigos na adolescência, de modo que rimos tanto, tanto… que literalmente começamos a fazer xixi na calça e tivemos que entrar correndo no mar, deixando o corpo do corredor (vivo, ufa) para trás.

Existem dois tipos de pessoas no mundo: as que têm pouca iniciativa de modo geral e as que passam vergonha sem parar. Falar já é um dos gestos mais arriscados que existem, repara aí. Seus amigos introvertidos provavelmente não cometem, em um ano, 10% do volume de papelões que você produz cada vez que sai de casa para qualquer coisa, mesmo que seja só uma ida até a esquina para comprar cigarros.

Se além de falante, seu caso é de ser gestualmente expansivo, pode ser que o sucesso e a fama não cheguem graças ao seu talento artístico, técnico ou intelectual, mas por situações como a enfrentada pela baronesa britânica Michelle Mone, que participou de uma conferência no Vietnã em maio de 2016 e pegou um anão no colo achando que era uma criança.

Foto: Twitter/ Michelle Mone

Michelle não só fez uma presepada pública sem querer como ainda tomou um esporro da esposa do anão, que se levantou dizendo "coloque este homem no chão. Ele é meu marido!". Ela se desculpou publicamente usando suas contas de Twitter e Instagram, meio fazendo piada, meio "queria estar morta". O rapaz em questão, Nguyen Tan Phat, de 22 anos, disse em entrevista que perdoou a gafe.

Pode ser essa mesmo a prova de que dinheiro não compra a felicidade: quantos milhões será que a baronesa pagaria para evitar ter passado por essa? Quantos você pagaria por não ter dado um like sem querer no Instagram que xeretava secretamente? Ou por jamais ter tentado passar o Bilhete Único por dois minutos na catraca da firma? Ou por ter respondido distraidamente "não, obrigada" a alguém que te pedia dinheiro e até mesmo por nunca ter mandado beijo no telefone depois de completar o pedido de delivery?

Difícil dizer, mas pode ser que algum dia, em algum lugar, alguém te ame exatamente por isso. Uma vez, me apaixonei por um cara que tropeçou 3 vezes durante um encontro de umas 3h, justamente porque em nenhum caso eu passaria mais vergonha do que ele na rua. Não foi recíproco, mas fica o consolo e os risos nervosos: a vida é esse eterno retorno de tropeçar em câmera lenta enquanto tentamos agir naturalmente.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.